João Pereira Coutinho: “Se eu fosse o diabo, teria repugnância em negociar com gente assim”

Você faria um pacto com o diabo? “É claro que não”, você responderá. Ninguém em sã consciência faria. Ou não. O diabo de nosso tempo pode não ser uma pessoa, mas pode tomar a nossa alma. Mas ainda temos o que negociar? O que pode nos salvar? O amor? João Pereira Coutinho, das terras de além-mar, viaja em pensamento com FAUSTO sobre Fausto. Parte das comemorações de 1 ano dessa revista, o português já da casa chega como o diabo gosta. Breve reflexão, como todo bom pecado que se preze. Porque, óbvio, não enjoa.

João Pereira Coutinho.

FAUSTO – Todos nós somos Fausto em potencial?
João Pereira Coutinho: 
Felizmente, sim. Digo “felizmente” porque uma vida sem tentações não seria uma experiência humana. A questão está em saber se existe algo no mundo que mereça a perdição da alma. Nunca encontrei.

Para qual tipo de pessoa o conhecimento não é excitante?
Para os idiotas ou para os sábios. Os primeiros porque acham que não precisam. Os segundos porque temem saber demais.

Mas, para nós, hoje, não é o conhecimento que nos leva a um pacto com o diabo, ou é? Ou seria o desejo pela juventude eterna? Ou a garantia de noites tranquilas com Netflix?
O problema contemporâneo é que os pactos com o diabo não têm a grandeza dos românticos. As pessoas vendem a alma por pouco – dinheiro, fama, estatuto social. Se eu fosse o diabo, teria grande repugnância em negociar com gente assim.

Ainda temos o que negociar?
Se formos adultos, sim: temos que estabelecer compromissos permanentes entre o que desejamos e o que podemos ter ou fazer. Só crianças, de qualquer idade, acreditam que o mundo existe para satisfazer os seus caprichos sem conciliação.

Para quem não acredita em céu, vida eterna ou paraísos pós-morte, o que impede uma vida de ambições desenfreadas?
A covardia. A boa covardia. Se alguns homens tivessem sido um pouco mais covardes, a humanidade teria escapado a alguns massacres.

O que é mais perigoso: a dúvida ou o tédio?
Ambos – na sua expressão máxima. A dúvida permanente porque é uma forma de psicose permanente, capaz de corromper a confiança mínima para viver e atuar. O tédio permanente porque é uma forma de suicídio lento sem ao menos a beleza de uma nota de despedida.

O amor de um outro é a mais verdadeira das conquistas, que nem o diabo pode dá-la a alguém? Ou mesmo Deus?
O amor do outro é menos importante do que o amor que sentimos pelo outro. Qualquer um pode ser amado. Mas a verdadeira conquista é sermos nós capazes de amar alguém.

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.

Os Comentários estão Encerrados.