A sorte do amor é se ele for interrompido

Gostaria de falar sobre o amor que eu desejo. O amor das sensações derramadas. O amor que da mente vai para o corpo. O amor entre duas pessoas, aquele tipo que provoca um breve tormento ao pé do ventre quando a lembrança de um cheiro sobrevém ou o gosto de um beijo.

A ideia do amor. Porque não precisa ser o próprio cheiro ou o próprio gosto. O amor que revela no espelho a parte de mim que é muito melhor do que eu sempre fui. Este amor, vi no cinema, em The Correspondence, um filme de Giuseppe Tornatore.

The Correspondence
The Correspondence.

Estrelado por Jeremy Irons e Olga Kurylenko, The Correspondence marcou minhas sensações porque revela o que considero ser o mais longe que se pode ir quando se ama: o silêncio. É tão forte o que você sente que toda a vontade de contar ao mundo acaba por emudecer. A capacidade de Tornatore de tocar o mais profundo da alma já é conhecida desde Cinema Paradiso, de 1990. Por coincidência, meu filme preferido.

No longa, há apenas um conflito, que se revela na interrupção do amor de Amy e Ed. Não há distrações e a beleza do enredo pode se perder se não se tem dimensão dessa capacidade do amor romântico: tanto de idealizar o outro como a de nos elevar. Somos, no outro a quem amamos, a nossa melhor versão.

Amy sofre muito no filme. A dor de Amy é a consciência em ação dessa potência que é o amor. O que mais é capaz de dar sentido à vida? É isso que acredita o amor nascido do Romantismo.

Para recordar, o Romantismo foi um movimento que aconteceu da metade do século XVIII à metade do século XIX, grosso modo, e impactou tão profundamente o Ocidente que além de ser difícil defini-lo, ainda vivemos em torno de suas ilusões. Por isso ainda cabe a pergunta:

Ser feliz no amor é possível?

Se sim, é para todos?

Não é o amor romântico só mais uma de suas utopias?

Entendo que o amor romântico como um direito foi tão bem vendido, mas de romântico, hoje, não tem nada. Amor romântico é contingência.

Antes dos românticos, esse amor capaz de definir a vida não era compatível com a vida real, a vida necessária que garante a sobrevivência, a vida cotidiana – ou o casamento. Na verdade, creio que nem antes deles nem depois deles. Creio que a sorte do amor – se ele acontecer – é se ele for interrompido.

Ainda que soe triste, penso ser melhor assim. Triste mesmo é olhar para quem está ao lado e sequer saber a razão de a pessoa ainda estar ali. Por isso que o amor que eu desejo acaba antes de acabar. Mas isso também é uma centelha romântica, na vida real pouco acontece, nos deixamos levar acovardados…

Daí lembro de um exemplo mais dramático de amor romântico, que não foi feito para durar para sempre, está no filme Vick Cristina Barcelona, de Woody Allen. Especificamente em Maria Elena e Juan Antonio, que se amam, ninguém duvida, mas o casal não consegue viver junto. Penélope Cruz, que vive Maria Elena, diz para Cristina, interpretada por Scarlett Johansson: “Só um amor não realizado pode ser romântico.”

Se é utopia, se precisa ser interrompido, por que ainda o desejo?

Porque dependo dele para ver beleza no mundo. O amor que eu desejo deixa espaço para a imaginação. Esse espaço pode estar na morte, pode estar no proibido. Só não está na realização completa.

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.

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