Em agonia…

Nikos Kazantzákis publicou Ascese em 1945. É considerado um dos maiores escritores gregos do século XX. Uma das frases contidas no livro inspira o seguinte.

Nikos riria e aos berros se me visse agônica assim, riria diante dessa versão minha de nada temer e de nada esperar. Falta-me profundidade até para agonizar. Agonia que se preza leva a interessantes verdades, ainda que de gosto amargo.

Um punhado de palavras não basta para descrever a paisagem que sou; não árida, mas de mar revolto. É tanto vai e vem cá dentro que me canso de mim. Penso em me jogar contra a parede para ver se acordo, penso em selar um pacto desses mentirosos, sem sentido algum, mas que cala quem grita infantilmente. Porque infantil é pensar que pode haver paz.

Aliás, isso é exatamente o mais estranho. Tenho vontade de jurar promessa, embora eu não saiba pelo quê, muito menos o que de mim oferecer para justificar tamanho favor, o de me livrar dessa metade que resiste. Ou terço. Seja o tanto que for, será que eu seria a mesma mutilada? Que amanhã posso esperar se não consigo dançar entre agonias?

Envergonho-me, é claro, tudo parece infantil. Só que é estranho. Dos sentidos que elegi como meus, só meus, há dias em que nem eles me preenchem. Sentidos não são óculos no criado mudo, ao alcance das mãos e capazes de ampliar esperanças. Sentidos são criaturas vivas, em movimento e mutação. O sentido dos sentidos é aprender a dançar com eles.

Não temo nada. Não espero nada. Sou livre. Nikos Kazantzákis escreveu em Ascese. A frase que também o apresenta ao mundo os mortos, porque se encontra em sua lápide em Creta, me norteia nesses estados de quase morte. É quando não consigo me sentir parte de nada. Só que eu não sou livre.

Sou livre, por minutos, quando tenho o que dizer, ainda que eu não diga. Sou livre quando existo em um outro, ainda que só em pensamento. Mas deixe estar. Preciso ir, mesmo em agonia. Minhas máscaras não escondem meu rosto, elas cobrem meus pés. Minhas máscaras são sapatos, tantas vezes inimigos quando não quero ir.

Abaixo-me para calçá-los e vejo uma mão estendida a me ajudar. É Nikos que sorri gentilmente. Ele sabe que atrás das aparências há uma essência em luta.

 

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.

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