O rooftop do Teatro Santander combinou muitíssimo com a trajetória do casal de criminosos mais famoso da história americana.
Bonnie & Clyde recebe a plateia num clima estimulante, quase como foi a história dos bandidos, entremeados no amor bandido.
Sentada num lugar privilegiado, prendi minha atenção no casal à frente.
Românticos — ou apenas sensuais —, ela o acariciava nas têmporas e nos ombros; e ele, discretamente, avançava a mão entre suas pernas, por dentro de seu vestido.
Verdade nua e crua, e que tem tudo a ver com Bonnie Parker e Clyde Barrow: todo mundo quer ter uma vida de significado.
A diferença é que alguns pagam qualquer preço.
Uma vida eletrizante, uma vida apaixonante, uma vida encantadora, jamais uma vida que passa, simplesmente.
Pode ser uma vida particularmente voluptuosa, como sugeriu ser a do casal à frente; ou pode ser como um constante frêmito ardente, feito a vida de Bonnie e de Clyde, antes mesmo de se tornarem um par, uma vez que ambos sonhavam estampar manchetes dos jornais.
Durante o musical, refleti sobre a importância da fantasia, seja para encaminhar nossos projetos, para nos levar ao autoconhecimento — hipótese das mais maravilhosas! — ou para nos fazer avançar em qualquer aspecto, menor que seja.
Em dois, é ser quântico.
Principalmente em épocas difíceis da vida, como foi durante a Grande Depressão — contexto ao qual se desenrola o musical —, a fantasia pode nos tornar mais fortes, resistentes, embora possa também, sem dúvida, levar à ruína, se os valores não forem constantemente checados e reajustados.
A fome está acima da moral?
Clyde Barrow levantou a questão e muitos — hoje — seriam capazes de distorcer o que nos constitui indivíduos em apenas um argumento fraco e narcisista: a tudo podemos.
O casal de bandidos roubou por diversão, vaidade e vício. E todos esses componentes se misturaram quando a fama começou a se espalhar — e, consequentemente, o número de mortos.
Bonnie e Clyde realizaram assaltos a bancos, mercearias, postos de gasolina, sem se importar com seus iguais necessitados. O casal foi pego numa emboscada e morto por policiais em 1934.
Como eram famosos, o episódio causou comoção geral e quem presenciou a execução testemunhou uma das mais excêntricas lendas americanas.
Em Bonnie & Clyde, o espectador fica por dentro de todo esse contexto.
Os destaques — para mim que sou dos contrastes — ficam para os detalhes: todas as cenas em que há elementos religiosos são fantásticas!
A tudo podemos?
“Se Deus não existe, tudo é permitido”, escreveu Dostoiévski.
Tratando-se de um musical, desnecessário falar sobre as canções em coro, no bom e velho estilo negro spiritual. E, claro, a voz de Eline Porto. Um de seus solos, uma canção de amor, encheu-me os olhos d’água. Em dois, é ser quântico. Pontos altos.
Os figurinos de Clyde Barrow, que o tornaram “modelo de sucesso” de seu projeto de gângster, ficam cada vez mais deslumbrantes — e como os elementos visuais enriquecem um espetáculo!
As tiradas de humor também não devem passar despercebidas, sobretudo as dos coadjuvantes. Blanche Barrow, cunhada de Clyde, é magnífica!
Bonnie & Clyde é para entreter, evidentemente, mas também para nos lembrar que, em algum lugar de nosso cotidiano, deve haver espaço para sonhar o sonho bom, que nunca deve ser desprovido de beleza. Quanto a isso, Bonnie Parker nunca deixou de ter razão.
Ao assistir Bonnie & Clyde repare, então, nos detalhes: a disposição das mesas, o jogo americano feito com muitíssimo bom gosto, o cenário urbano à sua maneira, dado que adentramos nos anos 1930, e os gestuais que indicam o temperamento de cada um em cena.
Repare mais ainda nas mulheres que rezam.
Na trama, parecem mulheres subjugadas, mas são, na verdade, esteios sobre os quais o mundo pôde continuar de pé.
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