O personagem José Costa, do livro Budapeste, de Chico Buarque, experimenta muitas das sensações que um dia todo escritor pode vir a sentir: as delícias da fama, o vazio do anonimato, o poder da inspiração, a agonia da apatia, sem falar do prazer de combinar palavras com tanta maestria que acabam por alcançar o mais profundo do ser – do seu próprio ser e o do leitor – e nada é mais lindo para quem escreve.
Não raro também essas mesmas palavras podem jamais passar da superfície. Seja como for, algo, no entanto, parece inegável: palavras fortalecem laços de afeto e dão sentido às histórias que vivemos – tanto faz se pela fala ou pela escrita.
Sim, Roland Barthes tinha razão: “somos donos e escravos da linguagem”. E seja desempenhando um ou outro papel, não temos nenhum controle sobre elas, as palavras.
Por que ler Budapeste?
Pelo drama aparentemente estranho e até divertido de José Costa. Ele é uma figura!
José Costa é um ghost-writer talentoso que mantém uma empresa com seu amigo de faculdade, Álvaro Cunha.
O amigo é mais habilidoso para os negócios do que para a escrita, e esse é exatamente o papel que José Costa desempenha. Álvaro é quem torna os textos de Costa os mais célebres dos jornais, uma vez que os vende para políticos importantes, gente de renome na sociedade carioca, e até estrangeira.
Mas por acaso José Costa vai parar na capital húngara. O voo que o tirou de Istambul, onde tinha ido a um congresso de escritores anônimos, precisou fazer uma imprevista escala em Budapeste. E foi o breve contato com o idioma húngaro que mudou completamente sua vida.
Escrito por Chico Buarque, o livro Budapeste é o terceiro de sua carreira e ganhou o Prêmio Jabuti como Melhor Livro de Ficção, em 2004. A leitura é leve, perfeita para quem ama as palavras e as degustam como os enófilos aos vinhos, além do texto ser deliciosamente criativo.
José Costa então se apaixona pelo húngaro. Ou apenas se sente desafiado a dominá-lo. E o que o personagem faz para aprender “a única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita“, como Chico brilhantemente a definiu, prega os olhos do leitor em suas páginas.
Ao pé da letra, digamos que a história tem idas e vindas inconcebíveis para uma pessoa “comum”. Não, porém, para aquele que se sente mais confortável em seu próprio mundo, aquele que é cheio de palavras, mesmo quando o mundo externo é perfeito. José Costa é muito bem casado com Vanda, uma apresentadora de telejornal a quem diz amar, mas essa é outra história dentro de Budapeste. E uma história que se desenrola em Budapeste.
Chama a atenção também o talento de Chico Buarque com as palavras em prosa. Chega a ser ridículo citar isso.
Ironicamente, não é possível descrever Chico sem lugares-comuns. Em Budapeste é possível ver a mesma paixão e erudição do Chico das canções.
Quanta poesia em uma prosa, quanto romance e loucura em um homem tão, tão aparentemente comum.
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