Cássia Eller – O Musical: itinerário da ilusão do poder

Eu não queria ser Cássia Eller, mas queria ser Tacy.

Nas duas vezes em que assisti “Cássia Eller – O Musical” — a primeira, há longos anos, no Centro Cultural Banco do Brasil —, saí pensando sobre como deve ser carregar traços de uma pessoa que não tem páreo.

A duas semanas de encerrar a temporada, que está em cartaz no Teatro Opus Frei Caneca, gostaria de levar a muitos à plateia e com essa reflexão áspera, porque é de praxe por ser FAUSTO.

Para mim, de sensibilidades à flor da pele, acontecem, simultaneamente, dois musicais.

O primeiro é leve, apresenta elementos e narrativa de fácil compreensão para o público geral, além de tiradas de humor que alcançam sem furar o tecido fino que é fazer rir sem subestimar a inteligência.

O segundo… ah, o segundo!

É o que não desgrudamos os olhos de Tacy, não por ela interpretar, obviamente, Cássia, mas por ser ela mesma, Tacy, em sua proeza de existir semelhante.

Sua voz, ao dizer as palavras mais simples, nos encaminha a uma ordem sobrenatural, que tem função terapêutica — porque nos leva a uma Cássia que jamais conheceríamos para além da canção que marcou um momento só nosso —, embora, também, de desilusão, porque tudo passa.

Não consegui, durante todo o musical, pensar mais em Cássia do que em Tacy, reconhecida, apreciada, certamente obstinada e cheia de dúvidas se foi tão precisa em ser Cássia, despindo-se completamente de si mesma, Tacy.

Porque isso deve acontecer o tempo todo fora dos palcos.

Então pensei se, talvez, Tacy não estivesse cansada.

Saí do teatro cantarolando qualquer canção que marcou meu momento, lembrando de qualquer quem de All Star azul, certa de que a melhor coisa da vida são as conversas que não dão tempo de acabar e ficam para hoje…

Senti vontade de entrevistar Tacy Campos.

Mas para fazer perguntas pungentes.

“Em qual momento é insuportável ser Cássia Eller?”

“A desilusão é maior quando as cortinas se abrem ou quando se fecham?”

“No dia a dia, sente-se vivendo na ilegalidade?”

“Estar ligada ao que ama, que é cantar, traz prejuízos a esse amor?”

A nenhuma dessas perguntas se responde sem algum dano.

Nunca, em nenhuma escala ou área da vida, podemos ser tão honestos. Vemos isso no desenrolar da trajetória da malandra.

“Cássia Eller – O Musical” é atraente como ímã por essas dubiedades.

Privilégios versus consequências.

Mimos versus merecimentos.

Identidade versus projeção.

As canções dispensam comentários. A personagem Cássia Eller é aquém da pessoa que deve ter sido, essa por quem Nando “Kings” se apaixonou.

“Estranho seria se eu não me apaixonasse por você”… nos apaixonamos por tantas pessoas estranhas.

Essas ambiguidades, esses escondidos, esses paralelos que só os holofotes são capazes de criar; entre verdades e mentiras, adoração e rejeição, persona e autenticidade.

Por tudo isso vale assistir à produção que tem direção musical de Lanh Lanh, direção geral de João Fonseca e Viniciús Arneiro e texto de Patrícia Andrade.

Ah, e vale também porque uma existência saudável não se caracteriza pela extinção da melancolia, mas pela aceitação de uma melancolia de bem-estar, que é a que nos leva aos livros, à arte, ao fundo de nós mesmos.

Por isso escrevemos versos e cantamos ou simplesmente apreciamos aos que se dedicam a isso, como todos do elenco, sobretudo Tacy, que desperta curiosidade por seus prestígios legítimos.

Então brinco de entrevistar!

“Tacy, quais são seus verdadeiros sentimentos?”

“Tacy, você queria ser a Cássia Eller?””

A última pergunta, da qual nunca teremos resposta, é: será que Cássia Rejane quis ter sido Cássia Eller?

Burle a mediocridade e assista “Cássia Eller – O Musical” com os sentidos ampliados.

Somos convocados ou escolhidos?

Cássia Eller liga a terra com o céu.

A resposta vem.

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.

Os Comentários estão Encerrados.