Ao assistir Clube de Compras Dallas, do começo ao fim o pensamento não mudou: “Como seria se acontecesse comigo?”
A verdade é que a dura realidade de contrair o vírus da AIDS hoje não é, nem de longe, a dura realidade de ter contraído o vírus da AIDS nos anos 1980, quando a doença surgiu e quase nada se sabia sobre ela. Estigmatizante, cruel, feia, mortal.
Clube de Compras Dallas é sobre a verídica história de Ron Woodroof, vivido brilhantemente por Matthew McConaughey, que levou o Oscar de Melhor Ator, em 2014, pela atuação e surreal caracterização. McConaughey emagreceu mais de 20 quilos e deixou para trás o estereótipo de galã. O papel de sua vida.

Nos anos 1980, Ron foi atrás, em outros países, de drogas não legalizadas que funcionassem melhor que o AZT. Ao lado de Rayon, que representava o seu maior preconceito, uma vez que Ron era homofóbico, o anti-herói criou um clube de fornecimento de remédios ilegais que foi o que passou a manter vivos os muitos dos diagnosticados.
Além de Melhor Filme e Melhor Ator, o longa de Jean-Marc Vallée concorreu em mais quatro categorias: Melhor Ator Coadjuvante, com a magnífica interpretação de Jared Leto como a transexual Rayon; Melhor Roteiro Original, Melhor Maquiagem e Melhor Montagem.
Quando estreou nos Estados Unidos – dois meses antes de ser lançado no Brasil – o longa conquistou rapidamente o público, e não sem razão faturou mais 40 prêmios. Todo o sucesso, contudo, vai muito além da caracterização de McConaughey e Leto. Os três principais motivos, creio, são:
Primeiro e mais óbvio, por tratar do preconceito, que era muito pior do que é hoje – e não só da sociedade em geral para com as vítimas como o das próprias vítimas em relação a elas mesmas. AIDS ainda é estigma.
Segundo, por jogar luz na triste verdade dos monopólios na indústria farmacêutica que lucram sem medidas com doenças devastadoras. No caso do longa, a empresa que detinha o direito de produzir o AZT, a primeira droga produzida para combater a doença.
Por fim, terceiro e mais importante: o empenho visceral dos portadores de HIV de driblar as estatísticas. Ron Woodroof foi taxativamente alertado pelo médico que o informou sobre a doença de ter apenas mais 30 dias de vida. O que ele fez com esse veredito é o que torna o filme imperdível.
O roteiro de Clube de Compras Dallas começou a ser pensado em 1992. O roteirista Craig Borten chegou a entrevistar Ron Woodroof um mês antes de sua morte, por pneumonia provocada pela AIDS, sete anos depois do diagnóstico.
É uma pena que o filme tenha demorado tanto para sair. E tudo é muito curioso porque até que fosse finalmente produzido, a proposta do longa foi rejeitada 87 vezes! E todo o roteiro reescrito dez vezes.
Matthew McConaughey tirou a sorte grande na interpretação de Ron, que antes estivera a cargo de Woody Harrelson, Brad Pitt e Ryan Gosling, uma vez que o projeto nunca saía do papel.
Jean-Marc Vallée e equipe não fizeram um grande trabalho apenas em termos de produção, roteiro, atuação, caracterização, trilha sonora ou ambientação, porque tudo isso é mesmo muito bem feito. O mais importante prêmio – simbólico, é claro – é por retratado uma personalidade como Ron, tão aparentemente pouco nobre, pouco inspiradora, quase detestável. No entanto, Ron representa tantas pessoas que nos primeiros anos da doença sofreram e foram vencidas pela falta de informação e de drogas eficazes, mas lutaram muito para viver. Clube de Compras Dallas traz o assunto de volta sem julgamentos ou falsa piedade.
Dizem que há uma explicação para tudo. Para a vida, para a morte, para as grandes conquistas que são travadas depois de um golpe tão duro como o diagnóstico de uma doença como a AIDS – ou mesmo o câncer.
Uma das explicações sobre Ron Woodroof pode ser a de se tornar imortal pelo cinema, um exemplo de luta pela vida, ainda que a vida não tenha lá muito sentido e antes da doença sequer havia qualquer razão para viver bem. Acontece. Uma fatalidade pode mudar tudo de perspectiva.
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