Keira Knightley, grande nome dos filmes de época, deu vida recentemente à escritora francesa, revolucionária, nascida Sidonie Gabrielle Colette. O filme é Colette, dirigido por Wash Westmoreland. Uma produção encantadora!
Colette retrata a personalidade dessa mulher que levou primeiro para a literatura todos os seus rompimentos posteriores. E não foram poucos.

Mesmo tendo crescido em um pequeno bairro francês, Saint-Sauveur-en-Puisaye, localizado na região da Borgonha, Gabrielle – antes de ser apenas Colette – recebeu de seus pais boa educação, além de refinada inclinação para as artes. Sido, sua mãe, foi uma fortíssima influência para Gabrielle.
Gabrielle também era uma mulher que apreciava estar em contato com a natureza e com os animais. Isso contou muito para que escrevesse bem, para que tivesse uma vida de imaginação intensa e, principalmente, coragem para estabelecer o seu lugar na sociedade parisiense da Belle Époque, quando percebeu que esse lugar estava sendo tomado por Willy.
Willy?
Gabrielle casou-se cedo com o poeta Henry Gauthier-Villars – ou simplesmente Willy.
O sedutor escritor era habitué da alta sociedade parisiense, e foi ele quem introduziu a jovem caipira nos primeiros círculos sociais. No filme, Willy é vivido por Dominic West, que interpreta maravilhosamente esses dois lados: o sedutor e o aproveitador.
Já nos primeiros encontros sociais, Colette se impôs, ainda que suas roupas, cabelos e maquiagem estivessem aquém do usual – o que mostrava seu caráter pouco permissivo.
De início, essa experiência na capital não a agradou. Gabrielle era apenas a esposa, alguém desinteressante. Nem Willy sabia de seu talento como escritora. Nem ela sabia de todos os seus talentos.
Seu texto controverso desabrochou quando passou a ser ghost-writer do próprio marido. Willy matinha vários, aliás, o que só reforçava seu caráter aproveitador. Ele, porém, não é só vilão. Sua liberdade – e libertinagem – foi importante para a liberdade – e libertinagem – de Colette. Ela, porém, não foi só isso.
Esse texto controverso feminino mostrava uma garota cheia de desejos, por homens e por mulheres, o que apimentava a rotina das leitoras que, em seus papéis de esposa e mãe, unicamente, não poderiam esperar mais da vida.
Recentemente, também, Mary Shelley foi para o cinema com filme homônimo, dirigido por Haifaa Al Mansour. Retratado de forma muito mais romântica, a autora de Frankenstein viveu o mesmo percalço.
Seu marido, o poeta Percy Bysshe Shelley, foi quem publicou a história de horror em seu lugar, da primeira vez. Porque as mulheres da época não tinham sequer vez. Mary Shelley, contudo, teve um final muito mais feliz com Percy.
Claudine foi para Colette o que Frankenstein foi para Mary Shelley. Não, foi muito mais!
O primeiro livro publicado foi Claudine à l’École, em 1900. O sucesso foi tão grande que logo surgiram mais três livros: Claudine à Paris, de 1901; Claudine en Ménage, 1902; e Claudine s’en Va, de 1903.
Todos esses livros, entretanto, só nasceram com o sofrimento de Gabrielle. Willy a obrigada a escrever, sem interrupções, e ver o sucesso de sua criação sem poder assinar por ele foi demasiado para ela. Foi quando o castelo de areia começa a ruir.
Em 1905, Colette se divorciou de Willy. Colette suportou as traições de Willy, mas não ser roubada de sua maior criação.
Mesmo antes do divórcio, Colette já tinha uma vida sexual ativa, principalmente com mulheres. Missy foi um caso público e duradouro. Já era dona de si, ainda que não tivesse consciência disso.
Liberta de Willy, Colette descobriu outros talentos e os exibiu ao público sem pudor. Apostou na música, na dança e na mímica. Nessa época também assumiu de vez a carreira de escritora e conquistou independência financeira.
Seus maiores sucessos editoriais são Chéri, de 1920; e Gigi, de 1944. Em 1948, é indicada ao Prêmio Nobel de Literatura, mas perde para T. S. Eliot.
Os padrões que rompeu não foram apenas no campo da literatura. Na moda Colette também deixou sua marca. E isso é visível no filme de Wash Westmoreland. Na elegância de Keira Knightley, o figurino torna-se encanto à parte.
Quem assina o figuro de Colette é Andrea Flesch, que concorre ao Oscar 2019 de Melhor Figuro. Seus chapéus e ternos – e os tons escuros – dão à personagem um tipo de autoridade.
Em 1911, aos 39 anos, Colette conhece o barão Henry de Jouvenel e se apaixona. O golpe é recíproco. Pai de dois filhos, o chefe do jornal Le Matin está saindo de um casamento. Colette engravida de Henry de Jouvenel.
Apenas alguns meses depois do casamento, sua mãe, Sido, morre. Na mesma época, nasce sua filha: Colette de Jouvenel.
Por influência de Henry, Colette passa a escrever para o Le Matin. O casamento acaba em 1924. O trabalho no jornal, também.
Um ano depois, conhece Mauricc Goudeket, dezessete anos mais novo, quem se torna além de um grande amor, um grande companheiro.
A partir de 1939, se estabelece o inferno em seu corpo. É quando começam os primeiros ataques de artrite que acabam por imobilizá-la quase completamente, nos anos finais. Nas atividades que ainda mantinha como escritora, era carregada.
Colette morreu em 1954, aos 81 anos. Viveu bem, viveu intensamente, viveu quase inteiramente consciente de seu valor. Ainda hoje, privilégio de poucas.
Os Comentários estão Encerrados.