Para mim, Dado mente. Dado é o personagem de Paulo Vilhena em Como nossos pais. Dado é marido de Rosa, que por sua vez é a protagonista do filme de Laís Bodanzki, vivida por Maria Ribeiro.
Longe de querer tornar minha suposição uma questão machadiana, mas, me parece, Dado mente porque não há alternativa. A mentira sustenta a maior parte das relações, principalmente porque a verdade é opção que desejamos mais do que a suportamos. Mas, de verdade? Essa é uma questão tão velha quanto à machadiana, se traiu ou não Capitu. Não é o principal, não é importante. Ou, não, até que tentemos entender por que como nossos pais?

O título do filme é o mesmo da “mística” canção de Belchior, que a esmagadora maioria das pessoas conhece na voz de Elis Regina. Para além do viés feminista, sem dúvida, o filme fala de esperança em meio à contingência. Vida real. Vida que estraçalha e não leva em consideração teoria nenhuma. Não quero lhe falar/ Meu grande amor/ Das coisas que aprendi/ Nos discos. Nada de teorias.
O que desejamos sempre, em nossas relações, e Rosa deseja ardentemente na relação com Dado e, principalmente, com sua mãe, é falar do que é de verdade: Quero lhe contar como eu vivi/ E tudo o que aconteceu comigo. Mas como dói. Não dói?
Essa vida latente, que nem sempre é piedosa, mas que sempre salpica Graça – com “G” maiúsculo mesmo – é o tema da canção de Belchior. Essa vida que nunca deve ser menor do que as concepções quase sempre infantis que fazemos dela, cheia de quereres, de ideias erradas sobre quem somos e, também, sobre quem são esses que convivem conosco e nos causam tanto mal. O mal da idealização.
Todos nós. Por isso como nossos pais. No fim, ainda que resistamos por toda a vida ser como eles – e às vezes na tentativa de nos tornarmos tão diferentes é que nos tornamos iguaizinhos a eles – erramos no mesmo ponto. Como romper?
Todos nós. Por isso como nossos pais. No fim, ainda que resistamos por toda a vida ser como eles – e às vezes na tentativa de nos tornarmos tão diferentes é que nos tornamos iguaizinhos a eles.
O que Laís Bodanzki nos dá de presente – porque, sim, é um presente – é esse espelho em formato de película. Espelho que nos mostra que somos muito mais ambíguos e complexos do que supomos.
A mulher emancipada tem também de lidar com o homem que não tem mais obrigação de bancar a casa. Ir para a cama com outro homem é uma questão em Rosa que não deixou de lado sua vontade de ser amada completamente, por sua essência, por seus pensamentos, por seu sonho de ser dramaturga e seu desejo de ser ela mesma a versão moderna da Nora de Ibsen.
Viver é melhor que sonhar/ Eu sei que o amor/ É uma coisa boa. Sim, todos nós sabemos. Mas o difícil é o adendo: Mas também sei/ Que qualquer canto/ É menor do que a vida/ De qualquer pessoa. Quando é mesmo que somos capazes de olhar um para o outro com honestidade, pura, franca, navalha? E, mais difícil ainda, olhar com interesse real.
Dado, para mim, porque mente é o menos propenso a “sofrer de ideal”. O melhor retrato de nossos pais. Não que Rosa não minta, ou finja, mas nela há a inquietude de quem tem esperança e por isso vai tateando no escuro. Seu desejo ambivalente de ser mãe e dar os mais firmes valores às suas garotas trava luta com outro lado que pulsa: o desejo de ser livre. Mas a contingência sempre vence.
Na parede da memória/ Essa lembrança/ É o quadro que dói mais. Em Como nossos pais, a vida se revela como é, mas há esperança. Laís acredita na esperança porque permite a redenção de mãe e filha. Permite que filha aceite o pai como ele é. Quase milagre.
Ainda somos os mesmos, com alguma, vá lá, variação. Você, eu, que ama o passado mais do que é capaz de admitir. Ou o inverso, que pode vir a ser uma forma de resistência patética.
Mas o que trazemos de nosso para a nossa vida, quase sempre está nos detalhes, que podem ser bonitos se tivermos a sabedoria de percebê-los. Numa das cenas finais, Rosa se dá o maior presente, assim como para as filhas. Para abraçar seu irmão/ E beijar sua menina na rua/ É que se fez o seu braço/ O seu lábio e a sua voz.
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