Em momentos de minha infância, não uma ou duas vezes, fui ameaçada pelo bicho-papão.
Na verdade, não por ele, mas por minha mãe. A lenda infantil, o bicho-papão, sequer sentiu cheiro de desobediência em mim, porque fui criança muito comportada. Então, pensei ter passado incólume por ele até, claro, há poucos anos. E que azar! Em vida adulta, o bicho-papão veio a ter outras formas. Por exemplo, a de um conservador.

Foi assim até que uma vez um homem de barba branca só no queixo e seu cachimbo macabro me fez rir. Que estranho! Não muito tempo depois, cruzei com outro, João, o português. Ele me fazia rir e pensar, e rindo eu pensava por outro ponto de vista. Como que à beira da ilha.
À beira foi possível ver o mar complexo que é… o ser humano. Mas será uma tática capturar pelo riso? Essa direita!
Em As Ideias Conservadoras – não, não jogue o livro longe, caso o veja – encontrei a chance de vencer a lenda de que conservador é bicho-papão. A verdade sobre os medos é que tem sempre alguém que lucra com eles.
“Uma disposição política conservadora, no entanto, não recusa apenas as ambições utópicas (e futuras) dos revolucionários. Ela permite, igualmente, distinguir o conservador da sua caricatura habitual: o reacionário.”
Ah, é um alívio confessar e poder apontar um caminho. Meu temor pueril, que teve forma de conservador, pode ser vencido. Por isso não tenha medo você também. João das terras de além-mar explica com seriedade, respeitando sua inteligência.
Se se encontra à esquerda por imposição natural – do tipo “católico não-praticante” –, ou seja, você nem sabe por qual razão é de esquerda, neste ensaio de pouco mais de 100 páginas perderá certas cismas – plantadas, verdade, não muitas vezes não sem razão.
Já quase morri milhares de vezes no combate de monstros em forma de preconceitos; e de víboras em forma de mentiras. Quase morri também com lobos em pele de cordeiro, estes sim, terríveis, que são os que impedem o livre pensar em nome do bem. Penso, aliás, que não há meios de formar o meu próprio pensamento sem alguém que pense diferente de mim, no mínimo. É questão tão sine qua non que me soa retrocesso mencionar.
Excessos são cansativos. Cansou-me estender a mão e ser vista como uma contradição. Quem disse que o bem virou à esquerda e se perdeu por lá? Cansou-me as aparências.
“Todos somos conservadores. Pelo menos, em relação ao que estimamos. Família, amores, amigos. Lugares, livros, memórias até. Conservar e desfrutar são dois verbos caros aos homens que ainda estimam alguma coisa.”
É verdade que o João de As Ideias Conservadoras é mais sério do que o João colunista irreverente, mas nem por isso abre mão de uma escrita leve. João conduz, explica, discorre com calma. Gentileza é atributo de quem sabe que é brilhante. E que não precisa pedir desculpas por isso.
Lucidez também é imprescindível para expor ideias neste campo. Principalmente para reconhecer as nuances sem-fim de um termo como esse e o que dá margem aos rótulos vistos por aí:
“Converteu-se em clichê a ideia risível de que os conservadores vivem agarrados às suas “tradições”. O conservador, nessa visão caricatural, surge medrosamente apegado a velhos costumes ou instituições pelo medo instintivo de os perder ou substituir por outros. Perante esse quadro fóbico, o conservadorismo mais do que um caso político, seria, sobretudo um caso clínico.”
Ler As Ideias Conservadoras é aceitar o convite para a liberdade, não o contrário:
“Usar e desfrutar aquilo que está disponível, em vez de desejar ou procurar outra coisa” e continua “naturalmente que o conservador sabe, ou pelo menos intui, que essa “outra coisa” pode ter virtudes apreciáveis. E, em teoria, é possível imaginar que tais virtudes possam suplantar os confortos do presente. Um homem de disposição conservadora, porém, tenderá a valorizar primeiro esses confortos do presente.”
É também ter respaldo teórico para desmistificar a ideia de que conservador que tem princípios, que respeita e ajuda o próximo, que não deseja linchar homossexual e não desvaloriza a mulher, além de saber os milhares de tons que há na meritocracia – entre tantos outros mitos – não é mito.
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