Eu, cínica

O cínico, de todos os incômodos que causa, o pior deles é o de levar o chão da certeza. Quem confia em um cínico?

Sei quem são aqueles que confiam em mim. Nos meus atrevimentos. Nas minhas dúvidas que são punhais, ora a me ferir, ora a me ferir mais uma vez.

O cínico é demônio sedutor. E porque afronta convenções, conveniências e arruína convicções, esses castelos de areia nos quais confiamos o sono, porque faz isso, o cínico não conta mentiras.

É quando a relação se inverte, nesse jogo do amor de amar um cínico. Quem fica por cima é quem não mente para si mesmo. É por isso que os cínicos são anti-heróis.

Onde foi parar a superabundância da vida interior? Se se esvaziou tudo, escoou para onde?

Em mim, o tempo todo há o cansaço que precede o tédio de não haver o que faça a vida ter sentido por mais de três minutos.

A escritora revela a mulher, embora a mulher resista, fora de sua escrita, ater-se às dores do ser. Realizei o sonho romântico de ter um eu.

Porque sou cínica, e no cinismo consigo não me deixar importunar, levo embora a atenção pelo humor irônico. Ao fazer rir, desvio qualquer um de mim.

Sob olhares, é como se eu trancasse a porta de mim mesma e só destrancasse ao escrever. Concordo com Cioran, se continuamos vivos, é graças à escrita.

Concordo sempre com Cioran. Só que faz tempo que não o leio para não me lembrar de quem me fez amar tanto a inquietação. O cinismo. A ironia. O deboche. Só não a insônia.

Tenho dificuldade de preservar a sensibilidade que preciso para escrever ante um mundo que me ataca – e fere. Se crio casca, morro como escritora. Não presto sem autenticidade. Se não crio, abandono-me à própria sorte.

Acostumar-se à carne viva das próprias emoções é decidir não ter lugar.

Retardo minhas vinganças em devaneios antes de dormir. Transformo cada um em uma palavra de gargalhada.

A saída é o cinismo. A vida de cão a qual se refere Foucault: sem pudor, sem vergonha, indiferente a tudo o que pode acontecer, que não se prende a nada.

Nada.

…Nada nos torna mais infelizes do que a obrigação de resistir a nosso fundo primitivo, ao apelo de nossas origens. Os resultados são esses tormentos de civilizado reduzido ao sorriso…

Tormentos de civilizado. Cioran. Cínico.

 

 

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.

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