Conheci Bessa-Luís pelos olhos de Pondé. Bem a verdade, quase tudo o que conheço foi pelos olhos de Pondé. Lembro o dia exato e a emoção que apertava meu peito, como uma sentença. Haveria mesmo de estar condenada àquela amargura de órfã de mãe viva que a tudo tornava tão sinônimo de abandono?
Apaixonei-me por Bessa-Luís por fragmentos, não por obra específica. No Brasil, quase nada dela é fácil de encontrar. Tudo o que tenho foi graças a bondade de amigos que trouxeram de Portugal. Principalmente, Fábio Pereira Ribeiro, a quem nunca vou me cansar de agradecer pelos três grandes diamantes que contêm todos os seus contos. São mais de 2.500 páginas de palavras tão elegantemente escritas. Definitivamente, ninguém é mais elegante do que Bessa-Luís. Nem João.
Conheci João não sei como. Não sei a data, mas sei de cada emoção que já me causou, principalmente em dias de esperança esvaída. Quase todos os dias.
Não foi uma ou duas vezes que, à beira da desesperança, me vinha à mente a saga do João gatuno de obra de arte, como conta em 10 de outubro de 2005 em Arte de Roubar, publicado na Folha de S.Paulo, meu escrito preferido. Tal historieta levo comigo como arma para me defender de mim mesma ou das contingências desgraçadas. Há quem prefira decorar versos de Camões ou de Pessoa.
Meu sonho de levar esperança através das palavras é diariamente minguado pela tempestade que irrompe dentro e torna minha escrita a mais triste. Se nunca desisti é porque ainda sei escrever João.
É claro que seus escritos são elegantes. A elegância, aliás, com o tempero da ironia, faz de João o maior. A elegância deixa rastro, a ironia tira a importância. Fórmula suficiente para pensar e ao mesmo tempo não se levar tão a sério.
Os meus portugueses são nomes vivos. Não tive que ir lá atrás para me motivar a honrá-los aqui. Ainda que eu lembre de ter escrito versos de Camões em meus diários de adolescente, não ouso me exibir com dez nomes magistrais. Magistrais, sempre, são todos aqueles que nos mantém vivos.
Digo sempre a Pondé, cujo nome sempre virá antes do meu, que ter um escritor preferido é sempre ter uma saída. João e Bessa-Luís, saídas de emergência quando me escapa completamente o propósito de minha própria escrita.
Há quem não entenda meu amor por João. Então, cito Bessa-Luís para explicar: “A inteligência reivindicadora tomou, no mundo, o lugar da sensualidade e da inspiração.”
Preciso de inspiração todos os dias para calar alvoroços. Preciso da sensualidade para afastar a morte do meu café da manhã. Não posso mentir sobre mim. João é o meu riso mais fácil.
Bessa-Luís me acalma como palavras de mãe e suas mãos em nossos cabelos a desenroscar dores da alma. Ser órfã de mãe viva é conviver ainda com um espelho no qual não me vejo.
Vejo-me, porém, em Bessa-Luís. Calço seus sapatos de vírgulas, visto seus casacos semânticos, sua segurança de fala, seus olhar conservador, sua sensualidade cotidiana. Vejo-me nela como a garotinha incapaz de ainda enxergar-se a si mesma.
Os meus portugueses são nomes vivos. Minha mãe poeta ainda vive, mas como disse Jorge Reis-Sá dias desses, hoje só conversa com os anjos.
Que sorte a minha que converso vez ou outra com João.
Apresento então Jorge Reis-Reis Sá, Nuno Costa Santos, Pedro Mexia e João Pereira Coutinho. Ora pois.
Os Comentários estão Encerrados.