À frente de uma das revistas mais bem-sucedidas do mercado editorial brasileiro, a jornalista Mônica Salgado é também uma referência para suas seguidoras. A diretora de redação da Glamour é casada, mãe de um menino e como a esmagadora maioria das mulheres equilibra-se entre os pilares: carreira, casamento e maternidade. Falar para a mulher contemporânea é mais que um desafio! Como dirigir uma revista feminina em tempos de patrulha ideológica? Como garantir direitos iguais aos dos homens sem afastá-los? E, principalmente, como enfrentar as contradições próprias do ser humano – homens e mulheres – e garantir um futuro menos conflituoso? Um dos motivos que tornam Mônica Salgado queridíssima é justamente porque não esconde o lado, como ela mesmo diz, “sem glamour” de ser mulher. Ainda assim, claro, sem abrir mão do que é próprio dessa entidade a quem tantos [ainda] prestam culto. Exclusivo para a FAUSTO.

FAUSTO – Qual é o maior desafio de uma editora de revista feminina hoje: trabalhar sem patrulhas ideológicas a tiracolo ou desvendar os interesses dessa mulher tão plural?
Mônica Salgado: As patrulhas se multiplicaram à velocidade da luz. Por isso tomamos uma série de cuidados, embora não seja uma dificuldade. Às vezes ficamos um pouco irritadas porque as pessoas veem problemas onde não há. Ou foi uma escolha editorial, sem ranço reducionista, ou coisa do tipo, mas as pessoas acabam nos acusando. Por outro lado, é um exercício interessante, porque fazemos coisas no piloto automático, sem questionar. Isso nos desafia a fazer sempre melhor. Hoje – quando somos tantas em uma – sem dúvida é um desafio falar para essas mulheres, principalmente porque temos páginas limitadas. Especialmente em um título como a Glamour, que tem um coquetel editorial bastante diversificado, é sempre um desafio entender quais são os pesos em uma edição. Esse coquetel diversificado é o que faz a Glamour ser única no mercado nacional. Ao mesmo tempo, quem não conhece a revista pode erroneamente identificá-la como sem personalidade. É um desafio eterno.
Costuma observar e consultar os homens para entender essa mulher?
Consulta oficial, formal, não. Mas os homens fazem parte de nossas vidas: nossos maridos, amigos, namorados. Eles são personagens importantes de nossas histórias. E como pessoas importantes, as opiniões deles são levadas em consideração na hora de pensar nas pautas. Mas as pautas, normalmente, surgem em conversas que temos no almoço; problemas que uma ou outra traz para a roda e aí falamos: “espera, se é uma questão importante para você, pode ser para outras mulheres, vamos investigar”. O bacana de ser jornalista é isso: quando tem algo que intriga, podemos transformar em matéria.
Concorda com o conceito “cultura do estupro”, difundido recentemente? Ele não parte da ideia de que todo homem é um estuprador em potencial?
Lendo o artigo do Pondé [Nós que amamos as mulheres] – e gosto muito do que ele escreve – ele sugeriu como devemos educar nossos meninos. E ele acha que todo homem, mais do que sair nas ruas protestando “respeitem nossas mulheres”, deve assumir o protagonismo, no sentido de entender que tem força física, e se for preciso, sim, usar essa força física para defender as mulheres. E ele ainda fala: “nem que seja na porrada”. Creio que essa característica também é usada para o mal, para submeter as mulheres aos seus desejos, à sua loucura, ao que quer que seja. Então, o primeiro passo é admitir que existe essa força que é inerente, e que essa força, junto com uma educação voltada para o respeito, neutralizam – ou deveriam neutralizar – às ameaças contra as mulheres.
Quando Veja publicou a matéria sobre Marcela Temer, a #belarecatadaedolar disseminou pelas redes. Uma semana depois, Milena Santos, mulher de Alessandro Golombiewski Teixeira, então Ministro do Turismo, postou uma foto no gabinete com um generoso decote e não houve – pelo menos não de forma disseminada – quem a defendesse. Não é contraditório?
É muito contraditório. O ser humano é contraditório. Existe uma tensão tão grande quanto ao que somos ou acreditamos ser; quanto ao que deveríamos ser ou achamos que deveríamos ser. Ou mesmo ao que nossas mães nos ensinaram como deveríamos ser. Essa tensão faz com que coloquemos para fora opiniões tão diversas e contraditórias, como nesses dois exemplos. O ser humano é absolutamente contraditório. Todos nós.
A beleza feminina é uma espécie de religião? Para os homens que não deixaram [ainda] de louvá-la e para a mulher que busca a todo o custo preservá-la?
Ao longo da história, a beleza feminina, suas curvas, a delicadeza – pela ausência de força como já falamos, além da necessidade de cuidado, digamos assim – foi objeto de culto e ainda é. Nesse sentido, talvez ainda seja uma religião. Ainda tomando como referência o artigo do Pondé, não há nenhum demérito em admitir que existem diferenças fundamentais e ponto. Não acredito que devemos entrar nessa histeria de que mulheres não precisam dos homens, os homens não precisam das mulheres, ou que ninguém precisa de ninguém. Independentemente da instituição casamento. Não admitir essas diferenças é o primeiro passo para os extremismos. Sou mãe de menino e me sinto muito, muito, muito responsável pelo futuro do comportamento dos homens em relação às mulheres. Quero que ele respeite as mulheres, quero que ele cuide delas. Fico feliz quando vejo meu filho sendo cuidadoso com as mulheres. Quando ele fala “mamãe, mulher é delicada”, não acho ruim. O que ele tem que entender é que elas têm direitos, como todos os seres humanos, e que têm características que as tornam diferentes e especiais.
Você é uma mulher linda, bem-sucedida, casada e mãe. O que o feminismo ainda precisa fazer por você?
Lembro-me de umas histórias da minha infância que me marcaram muito. Hoje é mais fácil de entendê-las, como adulta analisada, mas lembro que na infância eu era uma menina muito danadinha e na escola eu era muito chamada de “galinha”. Não estou dizendo que transava, veja bem. Estamos falando de 3ª e 4ª séries, quando beijo na boca era “selinho” e olhe lá! E as meninas já me tachavam dessa forma para me agredir, e isso me marcou muito. Quando falamos de cultura, devemos educar nossas crianças para refletirem sobre isso e entenderem o quanto esse hábito machuca. Esse caso poderia ter me tornado uma adulta totalmente fora da casinha. Se eu tivesse acreditado nisso, teria me tornado sei-lá-o-quê. Não aconteceu comigo, mas acho perigoso. Esse tipo de comportamento permanece e esse tipo de vivência machuca, marca, forma uma cicatriz eterna na alma.
O que o feminismo ainda precisa fazer pelas mulheres em geral?
Tem que tirá-las da vala da vitimização e colocá-las no protagonismo. O corpo é delas, elas se vestem como quiserem, e isso não dá o direito de rotulá-las, de agredi-las ou possuí-las contra a vontade. O comportamento sexual é um ponto que o feminismo tem que trabalhar. É direito da mulher se relacionar consensualmente com quem ela quiser e quantas vezes quiser, sem ser julgada. Existe um caminho relativamente longo a ser percorrido para que cheguemos a essa igualdade de direitos, para que nos comportemos da maneira que quisermos, sem sermos tachadas. Exatamente como acontece com os homens.
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