É importante dizer logo de início que Nebraska é um filme incrível, mas requer sensibilidade para perceber sua beleza.
O espectador distraído, ou pouco propenso a se abrir para emoções profundas, pode não só se perder no desenrolar da história como não perceber o riquíssimo resgate dos laços afetivos entre pai e filho. Entre Woody e David Grant.
O longa, de ritmo lento e todo em preto e branco, exige um pouco mais de concentração, mas essa concentração é recompensada justamente por esse mergulho nas lembranças de família, o que acaba gerando identidade, porque de alguma forma o que Woody e David vivem é o que todos nós vivemos.
Nebraska é um filme sobre memórias talvez pungentes, mas também é um filme sobre a beleza do resgate. A trama de Alexander Payne traz Bruce Dern numa atuação brilhante como Woody Grant e concorreu, em 2014, a seis estatuetas: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia, Melhor Ator, Melhor Roteiro Original e Melhor Atriz Coadjuvante.

Woody Grant, um idoso aposentado e “inútil”, acredita ter ganhado 1 milhão de dólares ao receber, via correio, uma propaganda, dessas que hoje recebemos via SMS.
Mas é propaganda mesmo. A família Grant toda sabe, menos Woody, que continua acreditando teimosamente em sua folha de papel, que dobrada e muito bem guardada em sua jaqueta torna-se inseparável de seu corpo. Como ninguém acredita em Woody, ele decide ir a pé de Montana até Nebraska, para resgatar o prêmio. Caminhada de uns 1,3 mil quilômetros.
Para além da sinopse: o quanto verdadeiramente somos responsáveis por nossos pais? Principalmente quando eles fizeram suas próprias escolhas, não necessariamente referente a nós, filhos.
E mais! Ainda que tenhamos sido rejeitados ao longo da vida, quanta culpa temos o direito de depositar nos ombros cansados de nossos pais? Culpa essa que nos impede, inclusive, de sermos mais indulgentes com a dor de envelhecer, de perder o valor. Contudo, a pergunta mais importante do filme talvez seja: o que não sabemos sobre nossos pais que mudaria completamente a visão que hoje temos deles? Eles, no fim da vida; e nós, ainda podendo escolher, com alguma folga, alguns caminhos.
Woody Grant, talvez, seja o papel da vida de Bruce Dern. Uma pena que, no ano em que concorreu ao Oscar de Melhor Ator, Dern tenha disputado a estatueta com Matthew McConaughey que, por sua vez, foi mesmo extraordinário em Clube de Compras Dallas. Não teve jeito.
Chega a ser injusto, evidentemente, porque Dern torna o pobre Woody tão substancial que, nós, espectadores, em algum momento do filme chegamos a torcer para que Woody finalmente receba o tal prêmio. Dern está impecável nas cenas em que não dá ouvido a ninguém, como se fosse surdo mesmo, mas ouvindo e entendendo o quanto todos o acham imprestável.
Tão importante quanto Dern é Will Forte, quem faz o filho David. Sua complacência e generosidade ao encarar a velhice do pai e os problemas que vêm com ela – dos físicos aos psicológicos –, sempre com um olhar tão livre de culpa, é emocionante!
David embarca na ilusão do pai e devolve a dignidade que o tempo lhe tirou. A aventura de Montana até Nebraska não é em nada do tipo inesquecível, cheia de confissões, que aproxima naturalmente porque a troca aproxima mesmo. Os silêncios em Nebraska é que dizem tudo. E o que David vai recolhendo da vida do pai, em passagem pela cidade em que viveu na infância e juventude, religa-o cada vez mais ao velho.
Nebraska é um filme incrível, mas para quem tem sensibilidade. Para quem entende que os laços afetivos dentro de uma família são capazes de determinar o curso de toda uma vida. E para quem entende que os laços que são resgatados também são capazes de mudar uma vida. Talvez não uma vida inteira, fazendo esquecer o passado, mas certamente ressignificando muitas memórias ainda doloridas.
Os Comentários estão Encerrados.