O Deus de Spinoza: as paixões em Spinoza

Uma das mais importantes funções da arte é iluminar o caminho de nossa existência.

Nos dias que se passaram, depois de eu ter assistido ao espetáculo O Deus de Spinoza, não uma ou duas vezes fui tomada pela lembrança do trecho que mais me impactou.

“A razão não pode vencer a paixão. Só uma paixão pode vencer outra paixão.”

Algo assim, evidentemente, pois não tomei nota. No entanto, a ideia fincou pé em meu coração.

Quem escreve o texto de O Deus de Spinoza, que está em cartaz no Teatro Itália Bandeirantes, é Régis de Oliveira.

O controverso Baruch de Spinoza é interpretado por Bruno Perillo. Já seu amigo Jan Rieuwertsz é vivido por Juliano Dip. Os rabinos julgadores ganham vida por meio de Luiz Amorim, Roberto Borestein e David Kullock.

O recorte da peça é Amsterdã, ano de 1677. Época de efervescência cultural e intelectual. Considerada a Idade de Ouro holandesa, remete a Rembrandt, Vermeer, Jacob van Ruisdael e Frans Hals, isso na pintura.

Na arquitetura, destacaram-se Jacob van Campen, Pieter Post, Pieter Vingbooms, Lieven de Key e Hendrick de Keyser. Na literatura, Gerbrand Bredero, Jacob Cats, Pieter Hooft e Joost van den Vondel.

No holofote da filosofia, discutiam-se as ideias de Descartes, Hobbes, Locke, Bayle, e, claro, Spinoza.

Contexto posto, o trecho que me tomou trata-se do conceito de conatus, que faz parte da teoria da afetividade do pensador holandês, que foi expulso de sua comunidade devido às ideias polêmicas para o seu tempo.

Durante o espetáculo, que tem direção de Luiz Amorim, acompanhamos a visceralidade de Baruch de Spinoza com suas descobertas acerca de Deus, do mundo e, principalmente, dos afetos. Ou seria o contrário?

A peça explora muito mais as ideias de Spinoza acerca de Deus do que vou relatar, ideias que promoveram, segundo seus oponentes, uma desvalorização da moralidade e transcendência da tradição judaica. Mas deixo a tarefa para quem entende e gosta de Deus. Sou é das paixões.

Para Baruch de Spinoza, uma paixão é capaz de elevar nossa potência ou diminuí-la. Por isso, devemos empreender algum esforço para reconhecer a lógica da afetividade, que pode se esconder numa aparente desordem.

Aparente? Em nossos tempos: evidente.

Trocando em miúdos, a luz que iluminou meus caminhos, luz dada por Spinoza, é que a vida afetiva não é irracional.

Sim, é possível ter poder sobre as paixões. O caminho é mais ou menos esse: conhecer suas causas, identificar os mecanismos; depois, transportá-las de uma potência menor para uma maior.

Parece complicado? Assistindo ao espetáculo O Deus de Spinoza, nem tanto.

A densidade do texto soma-se ao cenário soturno, o que provoca uma sensação de angústia extrema, certamente a que Spinoza deve ter sentido vivendo em solidão.

O clima do espetáculo, portanto, não é dos mais agradáveis, propositalmente, mas pensar é uma tarefa árdua, como também o é controlar as paixões. Ou, pior, agora sabemos, vencê-las com a racionalidade.

Passados tantos séculos, em minha rotina cotidiana simplória vinha à luz quase como um mantra: “a passagem de um estado a outro”.

Testei a teoria de Spinoza para aliviar minhas próprias angústias.

Uma das mais importantes funções da arte é iluminar o caminho de nossa existência. O teatro traz a nós as ideias de Spinoza que nos ensina a distinção entre afetos e paixões, entre afetos ativos e passivos; e, que, todas as paixões são afetos, embora nem todos os afetos sejam paixões.

O Deus de Spinoza é uma aula de filosofia? Não. Provoca, sim, um incômodo típico da filosofia, que deixa a alma inquieta.

Assim sendo, não pense ser o único que irá aos mecanismos de busca à procura de uma biografia confiável e robusta desse homem que atravessou séculos e ainda desafia o modo como nos percebemos e ao mundo.

Sutilmente, uma peça para apaixonados.

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.

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