O mais interessante no livro O Sentido de um Fim, do escritor inglês Julian Barnes, é que a leveza do texto ilude quem, pela leitura das primeiras páginas, já o classifica como apenas para entreter.
Barnes mexe com nossas memórias e nos induz a questionamentos na medida em que conta a história de Tony Webster, um homem comum.
Tony Webster tem 60 e poucos anos e recebe a notícia de uma herança deixada pela mãe de sua primeira namorada. A partir daí, se vê dolorosamente enredado em sentimentos de rejeição e traição. Sua primeira namorada foi Veronica Ford.

Tais sentimentos foram há décadas trancafiados no mais íntimo de suas próprias memórias, quase como acontece com todos nós. Saber viver é saber esquecer.
A herança em questão é o diário de Adrian Finn, um de seus melhores amigos de juventude. O rapaz que Tony admirava pela inteligência excepcional e desenvoltura – algo que, aliás, seduzia a todos, inclusive a própria Veronica Ford.
Adrian Finn cometeu suicídio aos 22 anos.
Vencedor do Prêmio Man Booker Prize 2011, O Sentido de um Fim se desenrola pela perspectiva de Tony Webster, que desde o momento em que descobre que o diário está em poder de Veronica, se envolve em uma rede de mistérios mais envolvente em sua própria mente do que de fato o é. E essa é a graça do livro.
A juventude dos personagens Tony, Adrian e Veronica aconteceu nos anos 1960, mas longe daquele cenário típico de liberdade sexual. Na cultura dos, então, garotos, o sexo, por exemplo, não era um prazer tão acessível, fato que determina a relação dos três personagens, inclusive.
A fim de encaixar algumas pistas deixadas pela mãe de Veronica, como um trecho do diário de Adrian, além de uma quantia em dinheiro, Tony revê sua trajetória e reflete de maneira aparentemente descontraída sobre fatos e decisões tomadas.
O passado então é o tempo em que se passa a história até que Tony decide entrar em contato com aquela que o machucou, a quem amaldiçoou e prometeu nunca mais falar: Veronica. Passa-se então para o presente. As descobertas de Tony acontecem aos olhos do leitor que não vai querer parar até a última página.
Agora, nesse texto de leitura fácil também é muito fácil não captar a profundidade exuberante das reflexões do personagem.
Julian Barnes é minucioso na escolha dos sentimentos e valores sobre os quais discorre. Ao mesmo tempo sorrateiro, o escritor inglês aborda questões existenciais de maneira tão leve que o leitor, em algum momento do seu cotidiano, vai se pegar refletindo sobre a própria vida, como Tony Webster.
Premiado, renomado internacionalmente e reconhecido como um dos maiores escritores de nosso tempo, Julian Barnes parece escolher com facilidade o tema de suas histórias.
Do romance policial aos textos culinários, possui ampla envergadura estilística, assim como é um profissional versátil, tendo atuado como lexicógrafo do dicionário Oxford e como crítico de televisão.
Prova dessa competência, Tony Webster é a criação de Barnes que pode funcionar muito bem como a voz da maior parte das pessoas que se questiona em algum momento da vida e revê todas as escolhas feitas, contando com a memória que, claro, com tempo pode tornar-se uma narradora silenciosa um tanto quanto duvidosa.
Essa revisitação do passado não tem o intuito de mudar qualquer coisa, apenas serve como um ato de autoindulgência, principalmente pelas escolhas que não foram feitas e que, claro, atormentam pela dúvida que despertam se teriam nos tornado mais felizes.
Os Comentários estão Encerrados.