Homens velhos não precisam ser desestigmatizados. Fotos de homens velhos não incomodam.
Basta apenas uma foto, principalmente de uma mulher muito bonita quando jovem, para incomodar outras mulheres – e passar despercebida pelos homens.
“Velhice: a primeira morte das cortesãs.”, escreveu Alexandre Dumas Filho em A Dama das Camélias, romance de 1848.
Não sei dizer com certeza e nem por qual razão, mas essa foi a história de amor que mais me tocou de toda a literatura. Marguerite Gautier e Armando Duval sofreram juntos do início ao fim da narrativa, e eu também.
A Dama das Camélias foi para mim aquilo que Santo Agostinho escreveu sobre suas próprias leituras, e que eu partilho como vício na hora de escolher um livro: “Ler aquilo que me comovia até a dor.”
Difícil, claro, entre tantas obras lindas, eleger a preferida, mas esta me marcou profundamente e na medida em que Marguerite Gautier envelhecia – ou se deteriorava.
Um adendo sem importância: eu acredito que Armando teria amado Marguerite na saúde e na doença, na juventude e na velhice.
Greta Garbo interpretou Gautier no cinema, mas durante a leitura, minha imaginação elegeu Ava Gardner, personificação da perfeição para meus olhos. Curiosamente, Greta viveu na pele todo esse terror, quis sair de cena antes que o público a visse envelhecer: “I want to be alone”.
Enquanto aos homens a velhice concebe até certa aura de distinção, a mulher se torna espelho do futuro – principalmente para outras mulheres – e não são incomuns os olhares que recolhem como se tivessem se tornado um claro exemplo a não ser seguido só porque envelheceram.
Sexualidade, sensualidade e idade ainda são considerados itens de uma receita de promiscuidade, receita de gosto bastante duvidoso. O mais sensato seria, por parte delas – ou por nossa parte – ter poucos amantes, esconder os corpos. Interdição da sexualidade.
É o estigma do estigma. E se revela em frases comuns: “Ela é tão bonita para a idade dela.”
A beleza é exclusiva da juventude?
Por que não poderia ser simplesmente: “Ela é tão bonita”?
O estigma aumenta dependendo da cor, da classe social, do tipo de corpo que essa mulher possui e o estilo como se veste, além do modo como se apresenta.
No século XIX de Dumas, a sociedade apoiava-se em bases religiosas cristãs. Em famílias patriarcais, as mulheres eram responsáveis pelos serviços domésticos, pela reprodução e pela educação dos filhos. Muita coisa mudou desde então, mas pouca coisa mudou…
No século XXI de Madonna e Bruce Springsteen, ambos dividem capas de revistas por seus êxitos na música, mas como é absurdamente diferente a maneira como são retratados. Madonna é velha, Bruce é sexy.
No século de Dumas, cortesã era um tipo de mulher cuja profissão era o amor. E as mais bem-sucedidas tinham imenso poder social, porque influenciavam os homens com quem dormiam.
Elas tinham liberdade financeira, porque eram donas dos próprios lugares onde moravam, além das carruagens, dos cavalos, das joias.
O dinheiro que tinham garantiria como viveriam até o fim de seus dias – já que não podiam contar com um marido. Consideradas velhas – cortesãs ou não –, mulheres solteiras depois dos 30 anos ganhavam seus estigmas. No caso das cortesãs, o estigma, do estigma, do estigma.
Beleza e juventude têm vãos. Não são bençãos absolutas mesmo no auge.
Entre os muitos vãos, penso ser o maior deles a negligência do cultivo de uma vida interior.
Depois, a incapacidade de dialogar com profundidade sobre as dicotomias da existência: ser bom, ser mal, ser pecador, ser digno de perdão, ser transgressor e passível de indulgência – e autoindulgência!
E outra coisa: a inabilidade de sair de si e voltar-se para o outro – sem cair na cilada da subserviência.
Tudo isso, pensando alto, é o que diferencia, para mim, o que explica Roger Scruton em seu magnífico Beleza: o interesse no corpo de uma pessoa e o interesse na pessoa corporificada.
Há reflexão para todos: estigmatizados e estigmatizadores.
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