Spotlight: o serviço que presta o bom jornalismo

É praticamente impossível que um estudante de jornalismo não tenha assistido Todos os homens do presidente, de 1976, o clássico filme sobre o caso Watergate.

Básico na formação de qualquer profissional que se dedica a contar a história do mundo, o longa que narra o processo de apuração do escândalo que derrubou o presidente Richard Nixon se tornou, ao longo dos anos, uma aula especial na grade curricular das faculdades de jornalismo. Por sua vez, o grande vencedor do Oscar 2016, Spotlight – Segredos Revelados, se tornou um reforço na conscientização de que jornalismo é muito mais do que contar histórias, é instrumento de transformação de realidades devastadoras.

Spotlight.

Spotlight provou, em 2001, que bons jornalistas podem levar a cabo histórias tristes como as de abuso sexual e pedofilia, dentro ou fora de igrejas. No caso do filme de Tom McCarthy, os crimes foram cometidos por membros da arquidiocese católica de Boston e denunciados pela equipe do jornal The Boston Globe.

Foram mais de 600 reportagens citando nomes e removendo de suas paróquias padres criminosos. Não é preciso avançar muito no filme para começar a torcer pelos “heróis” da trama. Um dos trechos mais comoventes de Spotlight é quando uma vítima que se tornou líder na batalha contra a pedofilia abre os arquivos de sua ONG, que socorre vítimas de abuso. Sua fala é tormentosa:

“Quando você é um menino pobre, de uma família pobre, religião conta muito. É quando você presta a atenção que um sacerdote é algo grande. Ele pede para você coletar doações ou tirar o lixo e você se sente especial. É como se Deus tivesse pedido para você ajudar. Talvez seja um pouco estranho quando ele conta uma piada suja, mas agora vocês compartilham um segredo juntos. Então, assim segue. Em seguida, ele mostra uma revista pornográfica. E assim vai, e assim vai. E assim continua. Até que um dia ele pede para masturbá-lo ou chupá-lo. E se você aceitar porque você se sente preso é porque ele prendeu você. É difícil dizer não a Deus, certo? É importante compreender que isto não é apenas abuso físico, mas também abuso espiritual. E quando um padre faz isso com você, ele te rouba a fé. Então, você vai para a garrafa ou para a agulha E se você não trabalha, você pula de uma ponte.”

Estrelado por Mark Ruffalo, Michael Keaton, Rachel McAdams, John Slattery, Stanley Tucci, Brian d’Arcy James, Liev Schreiber e Billy Crudup, Spotlight é também um fio de esperança para os bons profissionais que não apenas desejam uma grande causa pela qual escrever, mas tempo hábil e incentivo para uma criteriosa apuração. Em tempos de press-release e pesquisas de Google, jornalistas experientes estão perdendo lugar para jovens que não têm experiência e que – pior – desprezam o conhecimento e pouco se preocupam em formar repertório..

Ainda que pareça utópico para os dias atuais, o bom jornalista ainda sonha ser um Bob Woodward ou Carl Bernstein, ou qualquer um dos protagonistas representados pelo time de Tom McCarthy. Quem escreve com as vísceras, vai entender perfeitamente um dos melhores momentos do filme, quando o personagem de Mark Ruffalo, o jornalista Michael Rezendes, “perde a razão” e estoura com o chefe. Esse chefe é Walter Robinson, o “Robby”, vivido por Michael Keaton. Quando procura a colega para desabafar, a jornalista Sacha Pfeiffer, interpretada por Rachel McAdams, Rezendes prova que principalmente os jornalistas sérios têm extrema dificuldade de encerrar seus expedientes.

Spotlight não é apenas um filme sobre jornalismo para jornalistas, é uma prova do importante serviço que presta o bom jornalismo. Leia-se: o que valoriza a apuração e entende que não importa o tipo de informação que se leva a público, humanizar os personagens retratados é importante assim como ter claro que quem lê também é humano. Algo raro hoje.

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.

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