Thérèse Desqueyroux: uma mulher entediada ou uma mulher que nasceu para ser livre? É possível dizer mais sobre ela?
A mais famosa personagem do escritor francês François Mauriac foi parar nos cinemas pelas lentes do diretor francês Claude Miller.
Um filme inquietante, se for compreendido além do óbvio: o tédio, este que apavora as mais famosas personagens da literatura universal.
Quem interpreta Thérèse Desqueyroux é Audrey Tatou, o rosto angelical capaz de dar vida a mulheres tão controversas, como visto em Coco Depois de Chanel.

A literatura universal apresenta mulheres com esse perfil aos montes. Interessante como o tema nunca se esgota. Seria mesmo a mulher “o continente negro da psicanálise”, como diz Freud? Ainda se explora o assunto à espera de um milagre ou de uma epifania?
Impossível, porém, é assistir Thérèse Desqueyroux sem pensar nas outras. Estas, principalmente: Emma Bovary e Sèverine Serizy.
Nota de Esclarecimento: Decidimos por bem, em nome do amor, deixar de lado Catherine, de O Morro dos Ventos Uivantes; Charlote, de Os Sofrimentos do Jovem Werther e Anna Kariênina, em juízo de valor assumido.
Emma Bovary é entre as protagonistas a mais entediada? Dizem que Anna Kariênina também o é, embora eu não concorde. Anna, para mim é o símbolo maior do amor romântico. Agora, Séverine, de Joseph Kessel, a bela da tarde imortalizada no cinema por Catherine Deneuve, é uma entediada curiosa… Mas voltemos à Thérèse.
Thérèse Desqueyroux, inteligente, culta, é ressentida e invejosa e incapaz de tolerar o amor nos olhos deu quem quer que seja.
Thérèse Desqueyroux foi publicado em 1927, antes do livro de Kessel, mas depois das obras de Flaubert e Tolstói.
No filme de Claude, vemos que Thérèse quase nunca sorri, casa-se para garantir uma vida segura – e deixa isso claro para o marido – e não aguenta o cotidiano pacato que leva no povoado de Landes, região rural da França.
Thérèse Desqueyroux então decide envenenar o marido para ir embora e viver na cidade. O típico “não sei o que quero, mas sei o que não quero.”
Diferente das demais, Thérèse não trai. Inveja, porém, a cunhada Anne, e a paixão que a jovem experimenta tão cedo. Minha suposição: Thérèse não trai porque não se importa.
Thérèse não ama o homem de Anne, mas inveja a paixão que Anne sente, a que arde nela a ponto de adoecê-la. Thérèse complica o romance de Anne porque a deseja – é uma possibilidade – ou porque não permitirá que ninguém seja feliz se ela não for. Anne irrita Thérèse porque se contenta. Até que o filme acabe, haverá poucos momentos em que o espectador torcerá por Thérèse. A não ser, claro, que a entenda.
É possível entendê-la se não precisar contar para ninguém. A inveja corrói no escuro de nós mesmos. Principalmente quando invejamos algo simples, algo que o dinheiro não pode comprar.
A burguesa Séverine, casada com o doutor Pierre, vive regada de mimos e passa as tardes trabalhando em um bordel, em segredo. Séverine tem em seu corpo uma inquietação, um desejo físico, um vício. Séverine não anseia, contudo, que outros paguem pelo vazio que sente – embora a conta tenha fechado cara para ela. Séverine é a escrava incapaz de apontar o dedo.
Thérèse Desqueyroux, inteligente, culta, é ressentida e invejosa e incapaz de tolerar o amor nos olhos de quem quer que seja.
É o que as diferenciam. O amor tem mesmo a ver com aceitar-se em sua própria pele.
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