Ela, a felicidade. Aquela a que todo mundo busca. As religiões prometem-na, os contos de fadas dizem que ela é para sempre, as revistas nas bancas sintetizam a sua complexidade em 10 passos, mas enquanto a maior parte de nós finge dormir e acordar ao seu lado, ela escapa sorrateira. Nunca tivemos tantas possibilidades de conquistar o que desejamos, mas ainda assim… A pergunta inquietante, que nem todos têm coragem de fazer, é o título do mais recente livro de Tiago Amorim: Por que não somos felizes?. Formado em Direito, o autor é professor e está na área da educação há mais de 10 anos. Para a FAUSTO, com exclusividade, Tiago Amorim conversa sobre alguns pontos discorridos na publicação que já está nas livrarias e sai pela Simonsen. Confira!
FAUSTO – Acreditar que a felicidade é um direito torna a sua conquista mais fácil ou difícil?
Tiago Amorim: Se pensarmos sociologicamente, o que temos visto nas últimas décadas é uma campanha, ou engenharia de massa, ridícula que impele as pessoas a acreditarem serem detentoras de direitos – e apenas direitos. O homem contemporâneo é um mimado que só reza o “venha a nós”. Por isso, evito falar em “direito a ser feliz”, pois isto se tornou um lugar-comum que apenas reforça o processo cultural a que me referi brevemente. Prefiro pensar que o desejo de felicidade é natural em qualquer um de nós, não há um ser humano que não queira ser feliz. Entretanto, a inclinação natural não facilita nem dificulta sua busca; há uma miríade de fatores (individuais, sociais, culturais, históricos, etc) que atuam no processo de busca da felicidade que, como bem definiu Julián Marias, é um “impossível necessário”.
Qual é a parcela de participação do marketing no que se refere ao atual conceito de felicidade? Inclusive de que ela é um direito.
Há, sem dúvida, um marketing cultural pernicioso: desvaloriza o ser humano ao tratá-lo como um animal a ser satisfeito. A publicidade é basicamente isto: estimular uma insatisfação para depois “saciá-la” por meio da compra, por exemplo. A sociedade de massas é o ambiente ideal para expandir ideais abstratos e sem qualquer intimidade com o suor da vida. Pense no modelo de vida feliz desenhado e defendido pelas celebridades da TV, pelos políticos populistas, pelas grandes empresas globalistas, etc, e veja se aquilo é digno do homem de carne e osso. Se eu for levar a sério o que dizem certos jornalistas, intelectuais ou professores universitários, e acreditar mesmo que para ser feliz eu devo fazer tudo aquilo que “me faz bem” ou “é a minha verdade”, poderei legitimar qualquer imbecilidade que me venha à mente e culpar minha família, meus amigos ou a raça humana por não ter sido satisfeito. Se o desejo de felicidade é natural, como suponho, então sua busca é mais um dever – e não um direito.
O marketing pode vir a pagar caro por isso?
Já paga. Algum homem ou mulher, substancial, grave, leva o marketing a sério? Homens e mulheres não afetados pelas insistentes ofensivas contra a dignidade da espécie não se deixam iludir pelo canto da sereia. A vulnerabilidade aos discursos da propaganda genérica é superada com radicalidade de vida, que passa necessariamente pela individuação (separação da massa). Uma pessoa assim, antifrágil, é basicamente imune ao marketing mencionado.
Você trabalha bastante a ideia de que não é possível ser feliz sem viver a experiência do amor. Não é um tanto irônico que amar seja uma das experiências mais difíceis da modernidade – muito mais, talvez, do que conquistar a felicidade?
Acredito que não há felicidade sem amor, mesmo porque o amor – diria Ortega y Gasset – é o que me conecta com todas as realidades da vida. A felicidade é um dos impulsos naturais do homem e sua busca só é possível porque amo tais e tais objetos, tais e tais pessoas, que considero indispensáveis para minha felicidade. É claro, também, que existem níveis de amor: aquele que tenho pelo meu trabalho e aquele que sinto pelos meus filhos, por exemplo. Porém, em ambos os casos, o que me liga aos objetos e pessoas é o amor que tenho por eles. Uma vida feliz, de alguma forma, é aquela em que o sujeito conectou-se às realidades verdadeiramente amáveis e das quais ele não abre mão em hipótese alguma. E sim, é uma das experiências mais difíceis e comprometedoras da vida de qualquer um de nós.
Quais são os prós e contras da neurociência na fabricação da felicidade?
Não tenho a menor ideia. Só ressalto um perigo, a meu ver: neurocientistas, em geral, não reconhecem a existência de um “eu”. Tratam de processos diagnosticáveis e passíveis de repetição e teste. Felicidade, creio firmemente, é assunto existencial com consequências na eternidade.
Ressignificar todos os dias quem somos ou para onde estamos indo não gera ainda mais angústia? Nem sempre as demandas da vida permitem que tomemos atitudes do tipo jogar tudo para o alto e correr atrás daquilo que dá sentido à vida.
Não se trata de ressignificar todos os dias, mas de fazer o balanço pessoal da própria vida, de tempos em tempos. Avaliar o percurso, as trajetórias até então assumidas e dizer para si mesmo se é este o caminho. Jogar tudo para o alto é típico de quem justamente não faz isso, mas toma decisões pautadas no calor do momento, numa insatisfação sem explicação, no tédio, etc. Quando você busca manter sua biografia de forma consciente, narrando-a para si mesmo com seriedade e sinceridade, mudanças de percurso são muito mais naturais e menos traumáticas: de alguma forma encaixam-se no projeto de vida assumido. Já sobre a angústia precisaríamos de uma outra entrevista inteira para falar.
Estará mais perto de ser feliz quem ressignificar o que é ser feliz?
Estará mais perto de ser feliz quem estiver mais perto de si mesmo. Quem possuir a si mesmo, pelos meios que acredito serem os melhores para tal. De alguma forma, ressignificar é uma consequência natural da vida, já que os anos permitem um olhar diferente sobre o passado, por exemplo. É inevitável e até desejável que as mudanças de perspectiva aconteçam (demonstram alteração, vida, expansão). Lamento, como aprendi com Sócrates, o homem que não examina a própria vida; de fato, não merece ser vivida.
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