São Miguel Arcanjo, chefe das legiões angélicas, mediador entre o bem e o mal; seus quartos são os corações humanos.
Desde católicos a ortodoxos, mas, sobretudo, os crentes de crenças reduzidas, o arcanjo tem lugar de predileção até nos corações desses, cujos ânimos são cumes montanhosos em que há sempre neblina.
Não espanta que indivíduos melancólicos, céticos e até niilistas apreciem cidades religiosas como Ouro Preto, porque nelas se deparam com uma beleza dicotômica — ainda que transcendental, mas ela não aplaca, sozinha, nossa eterna busca de sentido.
Bem a verdade, o mais próximo que conseguimos chegar de um sentido é quando tomamos consciência dessa dicotomia — o imanente e o transcendente — que é, num aspecto mais amplo, o que há em nossos quartos.
Leu coração?
Todo coração é um quarto.
De objetos sagrados, de sentimentos feitos de segredos, de intimidades indispensáveis para que nos sintamos pertencentes a algo verdadeiro. Um quarto é necessário para uma “nudez primordial”
Os quartos de São Miguel Arcanjo têm seu rosto no topo de cada porta de madeira maciça, que exala o cheiro forte da passagem do tempo, e é possível sentir sua textura robusta, além de apreciar a cor escura da elegância.
São Miguel Arcanjo é o ícone da elegância no céu dos paradoxos.
Quando o arcanjo entra em seus quartos de cortinas vermelho carmim, sabe lidar, sem julgar, com o sombrio e o genuíno, com a densidade de emoções legítimas e das que são sintomáticas de tanta batalha interior.
Mas São Miguel Arcanjo não deixa murchar o sentimento de pertença, por isso nos convida a desfrutar de todos os espaços da vida e nos capacita a enxergar em cada objeto diante de nós se ali existe alma.
Com isso quero dizer “história”…
À beira da lareira, São Miguel Arcanjo aquece nosso espírito com seu fole soprador e chispa os medos.
A primeira lição é postura de mesura pelos que vieram antes de nós e nos deixaram belas histórias.
Senhor do aconchego, prepara a mesa com bolos caseiros, chás e café fresco e não deixa escapar o esplendor do ornamento nas toalhas, nos talheres, na mesa de vidro que protege pedras antigas das ricas Minas Gerais.
Tudo é história cotidiana, mas que se eternizou. Tudo que é eterno se releva no cotidiano.
Quando um coração se propõe a ser quarto de São Miguel Arcanjo, deixa de usar a palavra desencontro.
Objetos se tornam sagrados, nasce uma paixão por janelas abertas, pois diante delas desenvolvemos o olhar para a fé, que nada mais é do que tornar os enigmas da vida uma lança, como a dele.
Vivemos entre culpas e compensações. Entre objetos religiosos e sensuais. Entre a mística e o pragmatismo. Hora de acordar, pois o galo canta.
Aprendi uma reza para São Miguel Arcanjo, em Ouro Preto, meu canto preferido de exercício de minha aceitação, que é agridoce.
De dentro de meu quarto poético, cuja companheira é a solidão, quando rezo faço da experiência um sistema, e me educo para a liberdade, deixando que cada dia se revele — em seu bem e em seu mal.
Amém.
Então me sento no sofá marrom de veludo, ao canto do abajur de luz âmbar, e começo a escrever.
Porque nos quartos de São Miguel Arcanjo há histórias de pessoas comuns que, como eu, desejam entender a mocidade a tempo de crer que tudo é banalidade.
Exceto a beleza.
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