Ouro Preto: diálogo entre o imanente e o transcendente

Ouro Preto é onde o sagrado e o profano se encontram.

Juntas, fé e ambição construíram, a partir do final do século XVII, um lugar mágico, encontro de povos que, voluntária e involuntariamente, compuseram a história de Vila Rica, o Eldorado do Brasil colonial.

Caminhar pela cidade mineira é deparar-se a todo o momento com a história.

Os muros de pedras, as igrejas antigas, a arquitetura barroca e, a depender da época do ano, a neblina, levam-nos a um passado remoto, à época de formação do nosso País, às agruras de seus desbravadores e à epopeia de uma terra que prometia riquezas nunca dantes vistas.

O Mirante do Morro São Sebastião nos proporciona uma visão holística do centro histórico de Ouro Preto, com o onipresente Pico do Itacolomi ornando a paisagem marcada por igrejas a perder de vista e morros íngremes: “Pra descer todo santo ajuda, pra subir todos eles se mudam!”.

A sacralidade de sua estética, representada pelo movimento artístico barroco, condiciona-se com suas montanhas suntuosas, que carregam as marcas da extração de minério, cicatrizes de uma terra cheia de fé, drama e dor.

Quem visita Ouro Preto pela primeira vez é impactado pelos elementos que a compõem. Reunidos, deslumbram até mesmo os mais céticos, que passam a crer, mesmo que por um instante, na redenção pela beleza.

O imanente, representado pelas construções religiosas, é retrato da busca pelo transcendente — a expiação dos pecados de avareza de uma metrópole portuguesa cada vez mais sedenta pelo ouro incrustado no solo da colônia.

A ideia do sagrado — nas palavras de Sir Roger Scruton —, conduz-nos “ao ponto mais alto da escala da beleza”. Há uma veneração até mesmo pela pedra que alicerça a igreja, uma comoção que passa pela rusticidade e vai até à sutiliza do anjo esculpido na pedra-sabão.

Validadas pelo tempo, as obras de Ouro Preto tornaram-se um fim em si mesmas, um exercício de contemplação, que leva ao transcendente ou ao sombrio, mas nunca à indiferença. Obras sagradas, independentemente do credo, colocam o transcendente à nossa frente, ao nosso alcance.

Calcadas, à época de sua formação, em uma divisão social arbitrária, baseada na etnia e vinténs, as manifestações do sagrado em Ouro Preto carregam, ao mesmo tempo, a profanidade da escravidão, cuja mão de obra também deixou marcas de sincretismo religioso.

Em período de império além-mar, quem imperou pelas bandas de Vila Rica foi o congolês Chico Rei, sob a benção de Nossa Senhora do Rosário e de Santa Efigênia. A terra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, é um refrigério para a alma daqueles que ainda se encantam com o mistério.

Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1938 — sendo a primeira cidade brasileira a receber o título de Patrimônio Mundial pela Unesco, em 1980 —, a outrora Vila Rica guarda uma parte riquíssima de nossa história, ornamentada pela dramaticidade de uma beleza que estimula o diálogo contínuo entre o imanente e o transcendente.
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Túlio França Escrito por: