Justify My Love é um dos videoclipes mais belos de Madonna. Devido ao conteúdo sexualmente explícito, sua exibição, quando estreou, foi proibida até na MTV americana. A canção escrita por Lenny Kravitz e Ingrid Chaves, com co-autoria de Madonna, chegou ao topo do Billboard Hot 100, principal ranking da Billboard, e ganhou um filme cuja estética permite considerá-lo uma obra de arte.
Todo em preto e branco, Justify My Love começa com um dançarino. Logo surge Madonna no corredor de um hotel, carregando uma mala, com andar cambaleante. Ela sugere um estado delirante de desejo. Vestida com um trench coat preto, seus cabelos estão loiríssimos e levemente presos. A maquiagem carregada dá à personagem erotismo e sofisticação na medida. A imagem é decadente, porém, inebriantemente sensual. Madonna canta Justify My Love com voz sussurrante. A letra, de pura paixão e devoção ao ser amado, não contém nada capaz de recriminar Madonna. É sua maneira febril de amar, desprendida, que a absolve.
Madonna, contudo, direciona ao vídeo – este sim – o quê de “impróprio”. A estética fetichista, sadomasoquista e voyeur do fotógrafo Helmut Newton acrescenta ao enredo a dose de polêmica que bastou para estourar. Como descreve a ensaísta americana Camille Paglia, em artigo para The Independent Sunday Review, de 21 de julho de 1991: “O vídeo é pornográfico. É decadente. E é fabuloso.”
É possível arriscar que fabuloso foi o adjetivo escolhido porque o vídeo apresenta o corpo feminino como simbólica dinamite, que na esfera do desejo não necessita de razões puras para explodir. Quando Madonna encontra, no corredor do hotel, o protagonista de suas fantasias, um desconhecido, é ali mesmo que dá vasão a elas. Dentro do quarto, Madonna é possuída por um homem, por uma mulher, assistida com a mulher pelo homem, e todo o leque de fetiches. Em pauta: o sexo lésbico, a bissexualidade e a dominação. Nos demais quartos, estão outros personagens que sugerem a homossexualidade e o sadomasoquismo. Diferente de Erotica, que apresenta os mesmos temas de maneira mais fria, Justify My Love é mais sensual do que pornográfico. Ele joga com conceitos.
Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros fizeram parte da formação da cantora enquanto ainda estudava dança em Detroit. Foi dos guetos e dos clubes que a artista aprendeu a apurar o zeitgeist, o espírito da época, e com alguma sagacidade lançaria muitas tendências, das musicais às de moda. Os movimentos em defesa dos direitos civis dos hoje LGBT foram perpassados pela cantora já nos anos 1980.
No cinema, Marlene Dietrich já havia brincado com estas definições, com suas roupas ora masculinas ora femininas, além de um olhar mais altivo, algo raro em seu tempo. O beijo que dá em outra mulher em A Vênus Loira, de 1932, chama a atenção do mundo. Jogando os smokings, os monóculos e as cartolas de Dietrich no canto, Madonna entra em cena e resgata a lingerie e a cinta-liga. A reveladora nudez, mesmo a nudez vestida, que fotografou Helmut. Em Madonna, as tantas referências parecem cristais espatifados de todas as artes.
Como falar de maneira eficaz sobre algo tão profundo e impactar com tanta beleza? Talvez, não seja possível em tão curto espaço de tempo, como é o do videoclipe. Nem para o cinema é uma tarefa simples.
Justify My Love acaba com Madonna saindo do quarto sorrindo, quase como se ninguém pudesse acreditar no que ela acabara de viver. Sai correndo, fechando o casaco, fugindo do flagra. Que flagra? De quem reprime desejos? Nos últimos segundos, surge a frase: “poor is the man whose pleasures depend on the permission of another.” Em tradução livre: pobre é o homem cujos prazeres dependem da permissão de outra pessoa.
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