Leonardo Gonçalves: “Sempre vale a pena lutar pelo diálogo”

Cerca de 1 milhão e meio de pessoas o acompanham no Facebook. Seus videoclipes no YouTube já somam mais de 170 milhões de visualizações. Definitivamente, Leonardo Gonçalves é um dos maiores nomes da música religiosa no Brasil e um dos mais talentosos intérpretes para muito, muito além dos gêneros musicais. Contudo, não é essa a sua faceta que mais interessa à FAUSTO. Depois do ano sabático, o artista anuncia sua volta no dia 2 de dezembro em apresentação única no Tom Brasil, São Paulo, e revela, com exclusividade, grande novidade que brevemente o lançará como mais uma voz relevante – e interessante – no debate de assuntos de religião. Sobre intolerância religiosa, participação na vida política e, claro, o lugar de destaque que ocupa como figura pública, apresentamos: Leonardo Gonçalves.

Leonardo Gonçalves. Foto: Lucas Motta.

FAUSTO – Recentemente, o jornal O Globo publicou uma matéria sobre o movimento de “ex-vangelização” nos Estados Unidos. Cristãos estão evitando o rótulo de evangélico para não serem associados a ideias de extrema-direita. Acredita que no Brasil isso ocorrerá? Ou já ocorre?
Leonardo Gonçalves: De maneira geral, há cada vez mais pessoas que não se sentem confortáveis com qualquer rótulo. Há uma sensação de que ser rotulado é ser diminuído ou limitado, porque qualquer ato de qualquer pessoa rotulada obrigatoriamente será interpretada como reforçando ou se encaixando no rótulo imposto. Entendo o desconforto de ser associado a pensamentos ou linhas políticas com as quais se discorda, ou aos quais até se opõe – em grau significativamente menor isso também já está acontecendo aqui no Brasil – mas me incomodo muito mais com a deturpação do próprio Evangelho em si, que tanto lá nos Estados Unidos quanto aqui ocorre diariamente em programas evangélicos exibidos em TVs abertas e fechadas, do que com a questão política.

O rótulo então não é o problema…
Pela minha experiência, a melhor maneira de combater um rótulo negativo não é o abandono do mesmo, mas, ao contrário, assumir a nomenclatura do rótulo – no meu caso, de cristão protestante/evangélico/adventista – e, ao agir de acordo com sua consciência – e não do rótulo – se tornar um contraponto a ele; e isso tanto internamente para sua própria comunidade religiosa, fazendo a diferença de dentro para fora, como também servindo de “testemunho” para quem não participa dela.

Nos assuntos de esfera pública – como política, por exemplo – o que deve prevalecer: a fé ou a razão?
Olha… Não é uma questão simples. Em primeiro lugar, fé e razão, pelo menos na esfera pública e política, não são mutuamente excludentes. É verdade que, de acordo com Kierkegaard, a fé é um “salto irracional”, mas não acho que é a isto que você se refere quando pergunta. É legítimo dentro de uma democracia que qualquer grupo se organize e procure ter seus ideais e modo de vida representados publicamente; por que com os evangélicos – como se houvesse apenas um tipo – seria diferente? A democracia funciona desta maneira. O que a democracia não pode ser, no entanto, é a ditadura mesmo que seja da maioria! Não é porque você possui os votos necessários que você pode ignorar toda e qualquer voz contrária à sua.

Questiona a “bancada evangélica”?
O que questiono na bancada evangélica é que a Bíblia é clara – Levítico 19, Isaías 58 e Matheus 25 – em relação a como religiosos devem agir quando em situação de poder: cuidando do órfão, da viúva e do estrangeiro. Ou seja, dos excluídos e desamparados pela sociedade. O papel do cristão, quer seja na vida pública ou privada, não deveria ser defender os interesses de sua comunidade religiosa, mas defender os interesses daqueles que não têm como se defender. E embora instituições e grupos cristãos e evangélicos cumpram exatamente este chamado de maneira incrível no Brasil e no mundo – vide grandes organizações como ADRA, Cruz Vermelha, mas também pequenas comunidades que cuidam de dependentes químicos, etc. – não consigo enxergar esta mesma preocupação e postura na classe política que diz nos representar.

Enquanto sociedade, estamos vivendo uma crise moral ou as redes sociais apenas estão tornando evidente o que sempre houve?
Não acho que o ser humano hoje seja essencialmente pior do que em qualquer outra época que nos antecedeu. Mas é razoável pensar que as redes sociais possam estar mexendo com a vaidade humana de uma maneira até então sem precedentes. Ainda é cedo para fazer afirmações. Talvez até mais perigoso do que isto, no entanto, pode ser o fato de hoje praticamente só termos contato com pessoas que pensam de maneira semelhante à nossa e isto reforçar em nós a sensação de que estamos certos, o tempo todo em relação a tudo: afinal, há tantos que pensam e agem como nós!

Se podemos dizer que você tem uma bandeira, ela é a do diálogo. Não é, porém, bastante utópica hoje?
Acho que ela sempre foi utópica. Se hoje é mais, é apenas porque as pessoas discutem via redes sociais, em vez de olho no olho. Algumas batalhas escolhemos porque as podemos vencer. Outras escolhemos porque não há como fugir delas. Sempre vale a pena lutar pelo diálogo. Mesmo que pareça apenas uma gota no oceano. E não é assim com toda utopia? Você não vai acabar com a fome ou a pobreza no mundo. Nem por isso podemos, enquanto sociedade e indivíduos, deixar de lutar por justiça.

Intolerância religiosa é falta de informação?
Intolerância – seja ela qual for – é medo. Historicamente, é em momentos de crise econômica extrema e incerteza quanto ao futuro que a intolerância ganha força.

O povo perece por falta de conhecimentos gerais? Não apenas da Bíblia.
A julgar pela internet hoje, o povo perece por falta de interpretação de texto! [Dá risada] Acho que a não-convivência com pessoas que pensam diferentemente de nós, de novo por causa das redes sociais, tem dificultado as relações humanas nos cada vez mais raros momentos em que somos confrontados com a realidade. Na história do mundo nunca houve mais gente que lia mais do que hoje; passamos o dia inteiro lendo nos nossos aparelhos de celular. Mas como quase nunca lemos coisas que nos desafiem como seres humanos e por nos sentirmos ameaçados com facilidade sempre que somos desafiados, não é raro trocarmos os pés pelas mãos e entendermos tudo do jeito que for mais conveniente para nós. Chega a ser engraçado, às vezes: quando gostamos da pessoa que diz algo, interpretamos o que ela diz da melhor maneira possível; quando não gostamos de alguém, interpretamos tudo que ela diz da pior maneira possível. Raramente sequer paramos para tentar entender o que de fato está sendo dito.

Você se considera um importante influenciador – para usar uma palavra da moda – no seu meio?
De maneira alguma quero esse peso sobre mim! Sou um cantor de música religiosa leigo que pela misericórdia de DEUS ainda consegue, depois de mais de 15 anos de jornada, viver disso. Mas tenho a (in)felicidade de ter alcançado a maior parte do meu êxito na era digital e das redes sociais. Seria absurdo dizer que, através das músicas que canto, não quero também tocar e influenciar pessoas. Mas apenas através das músicas e da arte e das opiniões que são relevantes o suficiente para comporem isto, não através de lifestyle ou redes sociais. Já nas redes, o que tento fazer, na verdade, é desmistificar o que se pensa a respeito de tudo que envolve meu trabalho. Mas é inútil, também, e utópico, porque você passa a ser mistificado justamente porque tenta desmistificar.

Sente-se responsável por algo?
Eu me sinto responsável a dar o meu melhor, custe o que custar. Principalmente em relação ao meu trabalho. E, sem ser no mundo virtual, sinto-me responsável de tentar ser a melhor pessoa que sou capaz de ser, mesmo sabendo que vou falhar miseravelmente.

Depois de um ano sabático, o que mudou?
Acho que, principalmente, saber na prática que posso fazer outras coisas que me deem o mesmo prazer que a música. Acabei de ser aprovado no mestrado em Teoria Literária na Unicamp, 16 anos depois de me formar lá, e estou muito empolgado em voltar a estudar. Quero organizar meu tempo de tal maneira que eu não sirva a um propósito apenas.

 

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.