Sustentabilidade. Palavra em voga no mundo corporativo, na imprensa e nas diretrizes globais. Muitos falam sobre, alguns explicam à sua maneira, mas poucos entendem. Não é o caso do nosso convidado, Marcelo Kós. Engenheiro químico de formação e empresário de ofício, Kós desenvolve produtos e serviços voltados à sustentabilidade empresarial e familiar. O entrevistado da FAUSTO, que tem uma visão holística do assunto, ressalta a importância de tratá-lo de maneira mais próxima das pessoas, tornando-o uma responsabilidade individual. Nesta entrevista, Marcelo foi no âmago do conceito tão difundido, embora pouco esclarecido.
FAUSTO — Como abordar o tema da sustentabilidade para além de uma moda corporativa, a exemplo do ESG?
Marcelo Kós: Sustentabilidade não é moda e não está longe da realidade das pessoas ou das empresas. Sustentabilidade para qualquer pessoa, entidade, significa apenas manter alguma coisa funcionando, mas passou-se a entender sustentabilidade como tema ambiental e, à medida que foram entrando os outros assuntos, como o ESG [sigla em inglês para ambiental, social e governança], as empresas viram que ia para além do ambiental. Entretanto, não é apenas a empresa que precisa funcionar, uma pessoa individualmente também precisa; ou seja, precisa conseguir ganhar seu salário, sustentar-se e, para isso, precisa trabalhar, se alimentar — isso tudo, se olharmos bem, está ligado à qualidade de vida; isto é, fatores que fazem com que tenhamos vida com mais dignidade. Trato a sustentabilidade sob a ótica do que a palavra significa, que é manter algo em funcionamento.
Por que o conceito de sustentabilidade tornou-se vazio?
Na verdade, o conceito tornou-se tão complicado que as pessoas deixaram de pensar nele. Ficou chato, cheio de detalhes e tecnicidade, e, com isso, as pessoas perderam a visão do que estamos falando. Tornou-se algo distante da realidade do dia a dia. Tento mostrar que sustentabilidade não é ferramenta de marketing. A questão, às vezes, é explicar a fim de que as pessoas saibam o que fazer e, a partir disso, tomar iniciativas, executando ações necessárias.
Quando o assunto é sustentabilidade, o debate público costuma concentrar-se em questões macro. Como pensar o tema em uma escala mais local e individualizada?
Poucas pessoas têm uma visão macro da vida, a maior parte tem uma visão micro, a do dia a dia, visão de curto prazo. Se começarmos a falar sobre projetos que demorarão vinte, trinta anos, a perspectiva se perde. Muitas pessoas mal sabem como será o dia delas; então, o planejamento de longo prazo é muito difícil. Se você imagina que a sustentabilidade é macro, até pelo conceito que tem sido enxergado, que é de proteção do meio ambiente, as pessoas já se perdem, porque elas não conseguem nem enxergar a sustentabilidade do próprio dia a dia, não sabem como vão pagar as contas. Mas, se aproximarmos o assunto da realidade das pessoas, a sustentabilidade passa a fazer sentido para elas.
Pode nos dar um exemplo?
A família é o que há de mais importante na vida, então vamos falar da sustentabilidade familiar. O sujeito passa a economizar para realizar o sonho da filha em ser médica. É assim, como médica, que ela vai manter a vida dela, e vai buscar dar qualidade de vida à família dela. Isso é uma ação de sustentabilidade familiar. E isso as pessoas entendem.
E seguindo as diretrizes da ONU as pessoas tendem a esperar mais do Estado e não fazem nada, certo?
Elas esperam do Estado porque é o Estado que faz as coisas grandes, e elas imaginam que a sustentabilidade é algo muito grande.
Quem costuma levantar bandeiras como a do meio ambiente tem a tendência de sentir-se moralmente superior?
Alguns usam como forma de obter alguma vantagem. Não acreditam na questão do meio ambiente, mas tomam o assunto para se valorizarem. Querem ser vistos como defensores do meio ambiente. E não é só na questão ambiental, há quem faça a mesma coisa com temas sociais. Às vezes o discurso é desapegado da realidade.
A sustentabilidade também é uma questão existencial?
A sustentabilidade é uma condição que o universo impôs para que a vida pudesse acontecer. Ela é necessária porque o universo está ficando cada vez mais complexo. Sabemos, através da termodinâmica e da física quântica, que ele se expande e, assim, fica mais complexo. As leis do universo, no entanto, precisam da sustentabilidade para manter as condições de desenvolvimento da vida — processo de bilhões de anos. A sustentabilidade mantém a estabilidade do sistema — no caso, o sistema da Terra — e isso por um tempo enorme, bilhões de anos, tudo para que consigamos ter vida aqui. Nossa vida é uma condição necessária que o universo estabelece. Ele pede para que sejamos sustentáveis, pois quanto mais formos sustentáveis, mais contribuímos para que o universo se estabilize. Temos um planeta singular, lindo, maravilhoso, o único que sabemos que sustenta vida inteligente. Então, nossa responsabilidade é absurda, monumental.
O aumento da complexidade torna o ser humano mais cético ou mais radical?
Marcelo Kós: O aumento da complexidade deveria tornar o ser humano mais sábio. Segundo o que entendo sobre como a complexidade acontece, seria necessário mais resiliência, mais flexibilidade. Não acredito que o ser humano ficará mais radical, no sentido de não aceitar a diversidade; pelo contrário, talvez venha ficar mais radical no sentido de não aceitar quando a diversidade não for incorporada em determinado sistema. Aquilo que não é complexo é considerado como algo pior. Ficamos com a noção instintiva de que tudo que é melhor é mais complexo. Quando quebramos um copo, o caco do copo é menos complexo do que o copo inteiro.
As facilidades trazidas pela inteligência artificial são proporcionais aos problemas gerados por ela?
A inteligência artificial é como qualquer outra tecnologia, com a diferença de que pode vir a ser uma inteligência autoconsciente. E descobrimos isso quando estudamos complexidade: a vida nada mais é que uma complexidade que consegue se perpetuar e, a partir daí, criar uma condição de autoevolução. Vejo a inteligência artificial como uma possibilidade de melhoria de muitos processos, que podem trazer grandes benefícios, assim como uma série de problemas.
Algo nesse sentido o preocupa?
O que mais me preocupa é o nível de maturidade da sociedade para usá-la. A tecnologia não tem nenhuma moralidade: a moralidade e a ética são dadas pelo usuário. Se a usarmos de maneira ruim, sentiremos os efeitos daqui a alguns anos e a sociedade se desestruturará. Por outro lado, se o uso for bom, teremos a sensação de que a sociedade terá, talvez, respostas para uma série de questões que ela nunca conseguiu ter, e de uma maneira muito consistente, porque ela está se mostrando cada vez mais capaz de desempenhar diferentes funções em relação às nossas limitações como ser humano. Dependendo do nível de complexidade que cheguemos daqui a alguns anos, com um nível de qualidade de vida muito melhor do que temos hoje, a inteligência artificial será uma tecnologia muito necessária para se alcançar determinados objetivos. Porém, se for mal usada, ela pode acabar com a qualidade de vida. Tudo depende do usuário — e o nível de maturidade do usuário hoje é muito baixo.
Considera-se um otimista?
Eu era mais otimista, hoje sou mais realista. Fui mais otimista no sentido de achar que é mais fácil convencer as pessoas a serem, por exemplo, sustentáveis. Só que o nível de complexidade que nossa sociedade está tendo, com o crescimento vertiginoso da tecnologia, provoca um descolamento cada vez maior dos valores. Esse desequilíbrio me assusta: os valores não estão acompanhando as ferramentas que estão sendo dadas.
Como abordar temas urgentes como a sustentabilidade em uma era de construções de narrativas?
As pessoas hoje estão muito superficiais, porque circula muita informação. Quando tento falar sobre sustentabilidade, foco em complexidade, qualidade de vida, tento mostrar que tudo aquilo que fica mais complexo é melhor. Todavia, o que tenho percebido é que as pessoas se tornaram simplistas. Cada vez mais querem — porque as coisas estão cada vez mais complicadas — uma solução rápida. Estão impacientes, inseguras e não estão interessadas em questões mais amplas, até porque o dia a dia delas muda muito rápido. A existência está nos forçando, diariamente, a conviver com mudanças muito rápidas. Só que, para conseguir conviver nesse contexto, temos que entender o panorama mais amplo. O maior segredo é conseguir achar ferramentas de comunicação e exemplos certos para conseguirmos mostrar às pessoas que elas precisam, de alguma maneira, entender o que é a sustentabilidade, a fim de que consigam melhorar suas vidas ou tentarem, minimamente, ajudar gerações futuras a melhorarem — ou pelo menos a manterem a qualidade de vida que já têm.
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