A noite paulistana escutou o uivo de um lobo incansável.
Com apresentação enérgica, entrosada e potente, o power trio The Vanishing Volcanoes, a alcateia de Lobão, entregou tudo de si e mais um pouco em mais uma exibição memorável da turnê 50 Anos de Vida Bandida.
O show, realizado na capital paulista, mostrou três músicos que se completam. Com os tradicionais guitarra, baixo e bateria, o público presenciou uma sonoridade que não precisava de mais nada: tudo foi entregue na medida certa, dentro do que permite esse clássico formato de banda.
Inúmeros adjetivos são utilizados na vã tentativa de descrever Lobão. Todavia, com meio século de estrada e uma vida, no mínimo, insólita, o amálgama constituído ao longo dos anos fez do artista um ser que vai além de todas as definições.
Sua força artística, que pôde ser constatada na noite deste sábado, 2 de novembro, no Tokio Marine Hall, é alimentada pela busca incansável da potência, a fim de elevá-la ao máximo.
E aqui uso potência no sentido nietzschiano, isto é, vontade de potência — um ímpeto artístico que fenomenalmente o faz ascender. Aliás, o conceito está presente na música Esfinge de Estilhaços, do álbum “Cuidado”, de 1988.
Lobão é transformado no palco por esse impulso, por essa vontade, e faz da guitarra e de sua voz suas principais armas.
Baterista de formação, o músico, como já mencionei aqui, tornou-se um guitarrista estupendo.
Também pudera: com formação em violão clássico desde tenra idade, o instrumento de cordas nunca foi algo estranho ao artista, embora o próprio assuma que só aprendeu, de fato, a tocar guitarra a partir dos anos 2000. E, desde então, a evolução tem sido estonteante.
Com a atual banda, composta por Armando Cardoso na bateria e Guto Passos no baixo, eu, enquanto espectador, ouvi um som cheio de visceralidade. Armando cumpriu sua responsabilidade excepcionalmente e Guto Passos deu um show à parte.
A atração, dividida em três partes, passa pela extensa carreira do artista, desde as canções conhecidas por fãs assíduos, como Tranquilo, Sozinha Minha e Tão Menina, quanto os hits nacionais, tal qual Rádio Blá, Essa Noite Não, Vida Louca Vida, Vida Bandida e, claro, Me Chama.
A propósito, o público se compromete a cantar em uníssono esses clássicos que têm morada no imaginário musical do brasileiro.
Contudo, a exorcizante El Desdichado sempre será o ponto alto do show para este que vos escreve. Não há nada mais lobônico do que “Eu sou nada e é isso que me convém, eu sou o sub do mundo e o que será que me detém”.
O garoto, que a contragosto foi fazer um teste de bateria no Vímana, banda de rock progressivo da década de 1970, chega aos 67 anos com uma carreira de 50 anos ainda, de certa forma, como um garoto.
A despeito dos inúmeros sucessos nessas cinco décadas, Lobão só tem olhos para o futuro, sem, obviamente, esquecer-se de tudo aquilo que o formou e que compõe a linha narrativa de sua trajetória.
Como é comum acontecer com quem tem uma carreira tão longeva, Lobão não cai na armadilha de fazer cover de si mesmo e nem faz questão de estrelismo. É show de uma banda de rock’n’roll, que entrega tudo de si a cada apresentação.
Não se pode esperar por algo diferente de quem sempre prezou pela excelência em tudo que faz e, por isso mesmo, tornou-se multi-instrumentista, e hoje produz os próprios discos, como fez com o vinil triplo “Canções de Quarentena”.
Nessa nova fase, não podemos nos esquecer de Paulo Baron, seu empresário, que entende a proposta e a estética do artista. Se rock’n’roll também é business, que seja comandado por um empresário rock’n’roll.
É um privilégio para o público celebrar cinquenta anos de carreira dessa lenda da música brasileira, que já cantou com artistas como Nelson Gonçalves, Milton Nascimento, Jair Rodrigues, além de ter Me Chama gravado por João Gilberto.
Obrigado por sua arte, Lobão!
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