Ator, produtor e empreendedor. O pernambucano Alexandre Galindo, nosso entrevistado da vez, não é o tipo de artista utopista. Na verdade, ele se considera pessimista. Nesta conversa com a FAUSTO, o homem que dá vida a vários personagens — entre eles o literalmente espetacular Jonas, de Álbum de Família, texto de Nelson Rodrigues, na visão de Jorge Farjalla — fala sobre o teatro e sua relação com a existência, além de tudo que a permeia. Galindo é um dos atores à frente do Teatro Estúdio, novo espaço em São Paulo, e conhece muito bem os sabores e dissabores de desempenhar arte no Brasil.

FAUSTO — Por que estar em cena?
Alexandre Galindo: São muitos os porquês. Um deles, afirmar que somos atores e atrizes. Acredito que, diferentemente de uma profissão convencional na qual você trabalha, se aposenta e diz “eu fui tal profissional”, em nossa profissão queremos ser atores e artistas até o último respiro.
E temos tantos exemplos aí… E numa vivacidade! Vi Nathalia Timberg com 90 anos em cena. O Othon Bastos está lotando todas as sessões… E nem precisamos falar da Fernanda Montenegro…
Fazemos uma arte muito efêmera. Estar em cena nos dá a sensação de que somos, e não de que fomos. É uma necessidade constante de afirmação da profissão.
E o público é uma espécie de combustível, imagino eu…
A singularidade do encontro entre ator e plateia também é um dos motivos de estar em cena. Viver, a cada apresentação, um momento que não vai se repetir nunca mais é um grande privilégio para ambos, uma experiência única. Estar em cena sempre nos coloca à beira de um precipício, no qual podemos cair a qualquer momento. É sempre uma ótima oportunidade de correr riscos e “flertar com a morte”.
O teatro é um lugar de esperança?
Como um pessimista que sou, acredito que não. O teatro é um lugar de identificação e reflexão. Avançamos enquanto sociedade, em muitos quesitos; porém, retrocedemos cada vez mais enquanto humanidade — é minha visão do Brasil e do mundo. Portanto, se o teatro espelha a vida, ele nos coloca muito mais no lugar de refletir do que esperançar.
A maior luta de nossas vidas está na imaginação?
Para mim, sim. Tenho uma tendência a supervalorizar as dificuldades e os problemas enfrentados. Quando nos distanciamos e conseguimos olhar de fora, dá para perceber que esses problemas são um pouco menores. Então, tenho trabalhado constantemente esse olhar. Vivemos num mundo muito acelerado e processamos uma quantidade imensa de informações diariamente, isso afeta muito a nossa percepção.
O fato de o palco ter dimensões — diferentemente de uma tela, que é plana — instiga mais o espectador a desvendar as intenções do autor e da equipe que realiza a montagem? Instiga mais, por exemplo, a nos perguntarmos por que aquele objeto e não outro, por que aquela roupa e não outra…Em outras palavras, o cinema instiga menos?
Acho que é uma visão muito pessoal de cada espectador. O teatro tem a experiência singular, única, efêmera de se viver aquela experiência ao vivo; o cinema, por outro lado, tem recursos que proporcionam experiências que o espectador não encontra no teatro. Eu, como espectador e ator, prefiro mais as experiências do teatro.
A arte ensina?
Sim, ela sempre nos ensina, tem algo de pedagógico o ato de testemunhar e refletir sobre o que está sendo visto, sempre nos leva a algum aprendizado. Vejo nas artes cênicas uma oportunidade de olhar para dentro de nós mesmos, da nossa humanidade, da nossa relação com o mundo, e mudamos a partir disso.
Encenar espetáculos que descem fundo na natureza humana — como Álbum de Família, aquele desbunde de montagem — permite ao ator se conhecer melhor, inescapavelmente?
Esses espetáculos nos permitem descobrir novos recursos internos para o trabalho de atuação. Digo isso porque sempre crio um distanciamento entre o ator e a pessoa física nesses processos de criação e encenação de espetáculos. O que ajuda a me conhecer melhor são as dinâmicas e relações humanas daquele trabalho e não a obra em si.
O que sacia o desamparo da alma humana?
Realizar aquilo que se sonha fazer, sobretudo quando se consegue trabalhar com aquilo que ama. Porém, eu diria que isso minimiza o desamparo, pois, em alguma medida, ele sempre vai existir.
Amar é suficiente?
É necessário, mas não é suficiente, pois amores se transformam, acabam. Todavia, é preciso amar para estar vivo.
Como sobrevive um ator no Brasil? E como sobrevive um produtor de teatro no Brasil? São sobrevivências distintas? Mais na TV e menos no teatro ou hoje está todo mundo no mesmo barco? Não basta ser artista, tem que saber empreender?
É preciso contextualizar essa resposta com algumas informações. A cultura é uma pasta subvalorizada em todos os governos no Brasil, com pouco orçamento; o teatro é pouco descentralizado, a população não é educada a frequentar salas de teatro, o audiovisual não retomou com a força esperada no novo governo, dentre tantas outras questões que criam muitas dificuldades para a produção nacional, no teatro e no audiovisual. Neste cenário, são poucos os atores que conseguem sobreviver apenas do trabalho de atuação, é sempre preciso ter outras atividades em paralelo como fonte de renda.
E o produtor de teatro?
O produtor de teatro, assim como o ator, depende de trabalhos constantes para sobreviver, porém, vejo que há mais oportunidades na produção do que na atuação, portanto, uma chance maior de estabilidade profissional.
E acerca dessa mudança contratual em grandes emissoras?
Quando a TV aberta tinha um grande monopólio do audiovisual e os atores tinham contratos fixos, sem dúvida era mais estável e rentável do que o teatro. Hoje as coisas mudaram, o audiovisual está muito mais pulverizado e os contratos não são mais fixos. Há muitos atores de TV voltando ou migrando para o teatro, aproveitando a visibilidade que já têm.
Ou seja, está todo mundo no mesmo barco…
O ideal seria, de fato, conseguir sobreviver de sua própria arte, mas enquanto isso não se torna uma realidade, costumo dizer que é preciso ganhar dinheiro para poder fazer a sua própria arte com tranquilidade. Logo, é preciso empreender, na arte ou fora dela.
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