Carol Ribeiro: “Fé é uma palavra que anda comigo”

Carol Ribeiro tem olhos de mar. O vai e vem das águas depende da espiritualidade em ação em sua fala, em seus gestos e em seus sentimentos. A gentileza pela qual é conhecida elevou-se, atualmente, ao quadrado. Agora, dos quatro cantos de sua alma jorram carinho para com ela mesma e uma vontade de falar sobre fé e bem-estar. Nascida em Belém do Pará, ela é, orgulhosamente, um rosto “brasileiro demais”. Viajou o mundo para desfilar para as marcas mais luxuosas, ainda é uma das modelos mais bem pagas, foi uma tão idealizada angel, e é — conquista da qual mais se orgulha — mãe de João. Num bate-papo feito do efeito da fé que carrega, Carol abre suas reflexões assustadoras sobre como viver crendo.

Carol Ribeiro Entrevista
Carol Ribeiro.

FAUSTO – Do que você mais tem medo?
Carol Ribeiro: A pergunta já chega forte… Meu maior medo tem a ver com meu filho. Tenho trabalhado muito em mim para conseguir deixá-lo livre, sabe? Como tive muita dificuldade para engravidar, quando o João nasceu, ele virou o centro de tudo — e isso, às vezes, pode acabar sendo um peso para ele. É amor, claro; mas até que ponto esse amor não carrega um pouco de egoísmo? Ele já saiu de casa, está morando fora do Brasil, mas por muito tempo tive medo de que algo ruim pudesse acontecer. No fundo, meu medo está sempre voltado para o outro — e esse outro é o João. Quando você fez a pergunta, cheguei a pensar em responder: “Não tenho mais medo.” Porque realmente me sinto livre, mas quando penso nele… No entanto, sei que meu papel é nutri-lo, dar base, para que ele possa florescer e viver do jeito dele. Antes eu diria que tinha medo da morte — hoje, não mais.

Todos os aspectos de sua vida passaram a ser encarados de forma diferente?
Depois do diagnóstico de esclerose múltipla, comecei a repensar muitas coisas — o que ainda quero viver, o que talvez eu não queira. Já não se trata mais só de mim, mas do que realmente importa — e de quem importa. Tenho tentado, por exemplo, ressignificar a ideia de morte das pessoas que eu amo. Ainda estou nesse processo, mas me pego refletindo: se consigo aceitar que minha própria morte significa que cumpri meu propósito nesta vida, por que não consigo pensar o mesmo em relação a quem amo? Claro, não é fácil falar assim quando se ama alguém profundamente, mas venho pensando cada vez mais a respeito. Medos costumam vir junto ao egoísmo. Que é uma falta de espiritualidade.

O que mais mudou em você?
Sinto-me mais equilibrada. E busco esse equilíbrio todos os dias, aceitando que é um processo constante. O momento em que recebi o diagnóstico foi marcante até neste aspecto — me fez olhar para dentro de mim, me entender melhor como mulher, como pessoa, além de reconhecer meu papel no mundo. Passei a prestar mais atenção em como meu corpo funciona — física, emocional e espiritualmente.

Como foi no momento exato da notícia?
Foi um baque. Bateu um desespero. Depois, pensei: “O que pode acontecer de pior?” Seria estar numa cadeira de rodas, mas tantas pessoas vivem bem numa cadeira de rodas. Claro que me pergunto se eu teria a força que essas pessoas têm. Entretanto, no decorrer desses questionamentos, os medos foram desaparecendo. Até porque, se isso acontecer, como vou me comprometer com essa nova realidade?

Conversa sobre morte?
Converso, com meu marido. Como eu, ele acredita que a morte não é o fim. Seguiremos para outro lugar, outro plano. Acreditamos que seguimos em nossa evolução. A vida pode ter terminado aqui, mas seguirá noutro lugar. Hoje, meu medo da morte é inexistente; porém, pode ser que amanhã ele reapareça.

Tem receio de adotar novos comportamentos?
Tenho receio de me tornar uma pessoa rígida, apática. Vendo o mundo do jeito que está, com tantas coisas ruins acontecendo, penso se vamos — e me incluo nisso — acabar sendo dominados por essa energia pesada. Será que posso me tornar uma pessoa ruim?

E pode mesmo. É como costumo dizer: só podemos ter o mínimo controle sobre nós mesmos quando assumimos quão ruim podemos nos tornar…
Sim, é uma vigilância constante.

O que em seu cotidiano você percebe ser extremamente espiritual?
Hoje, tudo na minha vida é espiritual. Cada ação reflete os ensinamentos que me guiam: respeito, a escolha das minhas palavras, o tom da minha voz. Meu dia a dia é guiado por essa dimensão espiritual, que, para mim, não tem nada a ver com religião.

Não tem mesmo…
Isso de se escutar é, de certa forma, se equilibrar; meu dia inteiro gira em torno disso.

O que é fé para você?
Fé é uma busca constante. É acreditar que vai dar certo. É estar em paz. Porque, às vezes, queremos que determinadas coisas aconteçam, mas não ficamos tranquilos. Agora, quando falamos que vai dar certo e nenhuma incerteza passa pela mente, dá certo mesmo. Sempre brincam comigo: “Ah, se a Carolzinha quer, a Carolzinha consegue.”

Depois de dois anos mergulhada nesse assunto, criando histórias para o meu romance, cheguei a essa definição particular: fé é estar no presente. Fé não é no futuro. Não é naquilo que vai acontecer. É o que está acontecendo.
É um descanso, né?

Exatamente! O que se prega por aí não faz muito sentido para mim, soa quase como fantasia…
Em casa conversamos sobre egrégora. Se começo a acreditar que algo vai me dar sorte, por exemplo, esse controle remoto [do ar-condicionado], eu crio uma egrégora, crio uma crença, uma fé de que esse objeto vai me ajudar. No dia em que esqueço esse controle remoto em casa…

Já perguntei a vários entrevistados sobre essa relação espiritual com objetos…
Costumo andar com umas pedrinhas. Talvez isso seja uma forma de esteio. Uma forma de eu me sentir mais segura. Ainda preciso delas, embora cada vez menos. Porque hoje, se eu esqueço minhas pedras, entendo que elas não precisavam estar comigo.

Além da energia que colocamos no objeto, é uma forma de afeto, e o afeto é poderosíssimo…
Acredito nisso também.

Qual lembrança você emolduraria? Você já tirou milhões de fotos, mas quero uma lembrança.
Outra vez, tem a ver com meu filho. Você vai pensar que sou obcecada, mas a lembrança que eu emolduraria é a do nascimento do João. Lembro-me direitinho do instante em que o doutor Duarte o colocou em seu colo e eu vi o olhinho dele. Um amigo fotógrafo tirou uma foto semelhante, e ela está emoldurada em casa, mas é da perspectiva dele. É uma fotografia linda, mas eu tenho a visão do todo do que estava acontecendo. E aquilo foi um momento único.

Ter o João foi sua maior conquista?
Foi a maior vitória, porque engravidei cinco vezes. O João foi a terceira. As duas primeiras e as duas últimas não vingaram. É satisfatório ver o João saudável, porque ele tinha muitas chances de nascer com problemas sérios, e fiz uma aposta. Falei que ia tê-lo de qualquer jeito. Não sei explicar, mas foi muito sincero. Eu estava realmente preparada para ter uma criança especial. Parece fácil falar, porque não tenho ideia do que poderia vir pela frente, mas era uma sensação pura. Esse diagnóstico da esclerose múltipla foi um baque também por isso: “E agora, o que vou fazer, quem vou ser nessa história?” E outra, parece bobagem, mas ele tinha 70% de chances de nascer com algum problema. O remédio que eu tomo para a esclerose múltipla tem 70% de sucesso nos tratamentos. Na época da gravidez, 70% de chance de um bebê nascer com problema era como: “Nossa, vai nascer com problema!” E aqui é outra medida: 70% de chances de responder bem são muitas chances.

Você é uma espiritualidade em ação…
Estou pronta. Em nenhum momento há uma vírgula de dúvida, mas já existiram vírgulas. Hoje penso que “coisas ruins” são avisos, e é uma benção poder ser avisada.

Só veio amor até agora, certo? E se acontecer de alguém olhar você com dó…
Então… acho que isso já aconteceu. E está tudo bem. É daquela pessoa. E creio que isso acontece pela falta de conhecimento do que existe em termos de tratamento hoje, diferentemente de décadas atrás. Além disso, há bastante confusão com o ELA, que é realmente um diagnóstico muito pesado. Até nisso dei sorte. Esse dó parte de uma certa dose de carinho. O que tenho, em nada me impede de viver 100% bem.

Seus olhos brilham de uma forma muito tocante…
Quando fiz a solicitação do remédio para a infusão, fiquei muito ansiosa, já queria solicitar vários. Meu marido e meu médico disseram para eu ter calma. Foram 16 dias para o remédio ser liberado, e, no dia da primeira infusão, eu estava tão empolgada, coisa de criança mesmo. Não estou brincando, nem exagerando. Tanto que a psicóloga estranhou e pediu para falar comigo em privado, e eu disse para ela: “Desculpe-me, sei que estou empolgada, empolgada até demais, mas é porque foi tão agonizante o processo de descobrir qual era a doença; depois, receber o diagnóstico; e agora tenho um nome, sei como tratar, tenho uma direção a seguir.” Quando me despedi do médico com o tratamento em mãos, eu chorei. Pedi para abraçá-lo — e acho que ele se emocionou também. Saí de lá numa felicidade, acreditando que já deu certo, porque ele me deu inúmeras possibilidades. Ele é médico da área de pesquisa; quem pesquisa, acredita. Quem pesquisa está atrás de alguma coisa boa, não de ruim. Pesquisa é fé. Então, saí de lá com outra visão de tudo; visão de fé.

O remédio também é sua pedrinha, de certa forma…
É, minha pedrinha. É tipo isso. E eu falei para a psicóloga: “Sei que estou parecendo louca, mas estou consciente. Isso para mim é a cura — eu sei que não existe cura, estou a par de todos os efeitos colaterais, mas vai dar tudo certo, eu só estou feliz.” Ela saiu meio assustada.

A espiritualidade realmente assusta.
Creio que as pessoas ficam assustadas porque não sou essa pessoa empolgada, sou mais contida; mas naquele dia eu estava como se eu tivesse ganhado na loteria. Tudo mudou para melhor, não estou mais com aquela sensação de estar perdendo algo. Hoje tem nome para tudo. Acho que é “fear of missing out”. Permito-me não ter. Sou zero uma pessoa zen, viu? Só busco essa calma de outra forma.

Creio que seja possível. De certa forma me enxergo no que você está me contando, e creio ser mais verdadeiro do que ser “good vibes”.
Fui percebendo o que era realmente importante para mim, dentro do meu estilo de vida. Quem é a Carol? A Carol é aquela que vai parar tudo, meditar, ficar zen, vai para a Índia? Não, não sou essa pessoa. Sou feliz com a vida que tenho, nessa loucura que, lógico, tenho que vigiar para que não me faça mal. Então, a minha vida segue igual.

“Por que eu?”, você fez essa pergunta?
Em nenhum momento. Nenhum. Foi mais: “Certo, e agora? O que vou fazer com isso?” Na gravidez, sim, questionei. As pessoas pensam que não, mas quem me conhece de verdade sabe que tenho uma tendência para o negativo. Sou de pensar: “Vamos fazer assim, porque se der errado…” Eu não queria ninguém me achando coitadinha, mas me permiti ser vulnerável; primeiramente, com o Paulo [Marido].

Medo do preconceito?
Medo do preconceito, mas fiquei muito emocionada com as mensagens de apoio, quis ter respondido uma a uma, mas vi que era impossível. Depois, fui acalmando o coração. Recebi com gratidão todas as demonstrações de carinho das pessoas, porque elas estão desejando o meu bem.

Construí uma pauta que em nenhum momento eu tocaria nesse assunto, porque minha revista, vou chamar assim, é uma revista que trata dos sentimentos das sombras, e eu vejo a Carol como eu via na minha adolescência, uma boneca que eu fazia os recortes nas revistas…
[Olhos marejam] Se eu precisar falar sobre esse assunto, se for necessário ir a algum lugar para abordá-lo, farei isso. No entanto, sou muito mais do que isso, assim como todos que têm o mesmo diagnóstico. O diagnóstico não define quem somos. Podemos viver muito bem com ele. Não somos a doença. Recebi muitas mensagens de pessoas que têm medo de se expor, preocupadas com o preconceito, como se ter a doença tornasse alguém incapaz de exercer suas funções ou de viver bem. Isso me assusta, mas também me dá força para mudar essa mentalidade, porque hoje os tratamentos estão muito mais avançados.

Por isso eu quis falar sobre medo, solidão, fé, assuntos que tocam a todos, independentemente de diagnósticos, embora, claro, um diagnóstico aprofunde nossa compreensão de tudo…
Só não pode virar o ponto central de quem somos.

Confesso que pensei na crueldade, na condescendência…
Estou falando sobre o assunto — e há muitas pessoas comentando. Estou assustada porque, apesar de eu ser uma figura pública, não sou alguém que o que fala repercute. Recebi diversos depoimentos: de quem se trata e vive normalmente; de quem nunca se tratou; de quem tem os sintomas, mas não foi investigar; e de quem tem medo de assumir publicamente. Inclusive, fiquei pensando nessas pessoas que assumiram, como será que elas ficaram profissionalmente?

Exato, esse é meu ponto. Como o mercado de trabalho reage a isso?
Preconceito, né? Será que a pessoa vai dar conta, o custo que ela vai gerar para a empresa. Pensei bastante sobre isso, e se é o caso de haver preconceito, então, sim, estou aqui para mudar isso! Vai virar uma briga minha! Porque é possível viver 100% bem. Claro, como todas as pessoas, eu tenho que cuidar do que como, praticar exercícios, controlar a ansiedade, ler…

Qual é a ideia mais errada que temos acerca da beleza?
O ideal de beleza é criado. Existem pessoas com esse poder. Só que, quanto mais vemos uma imagem que não estamos acostumados, mais passamos a entendê-la — e até a enxergar uma beleza que antes não víamos. Vou dar um exemplo em minha própria carreira. Vim para São Paulo em 1995, com 15 anos. Eu não me enxergava bonita, como ainda não me enxergo — eu sei ser bonita. E sou interessante. Existem meninas que são bonitas da hora em que acordam até a hora de irem dormir. A Isabeli Fontana é uma delas. Agora, quando você entende a tua beleza, isso é bonito. A ideia errada que as pessoas têm acerca da beleza é que ela é um conjunto. Vim de Belém, fui aceita num mercado extremamente excludente. Mesmo assim, fui julgada: “Ah, não; ela não é bonita o suficiente”, “Não, para esse desfile, não”, “Ah, não, tem rosto de brasileira demais”. Rosto de brasileira? E isso é feio? Costumo dizer que existe modelo bonita e mulher bonita. Uma coisa não é a mesma que a outra.

E como está sendo envelhecer dentro de um mercado excludente?
Digo que o mercado de moda é o vilão e o mocinho, porque ele é excludente, mas o fato de eu estar trabalhando hoje, me traz bastante tranquilidade. Tenho sorte de estar nesse meio, mas poderia ter dado muito errado, porque há um tempo eu não seria aceita.

Como essa aceitação se deu?
Não sei. A sociedade foi mudando aos poucos e aceitando de forma lenta — e fui junto. Lembro-me de que no meu aniversário de 40 anos, a Versace me telefonou para me convidar para desfilar, depois de doze anos. Aquilo foi muito significativo. Eu estava entrando nos “enta”! Soa uma bobagem, frase montada, mas a maturidade dá uma tranquilidade em termos de beleza física, de você saber o que quer mostrar e o que não quer. Na verdade, você sempre teve, mas não sabia.

Você sentiu, em algum momento, que a sua vida aconteceu sem sua presença?
Sim… Não que a minha vida… É como se fosse… Já me perguntaram se eu faria tudo de novo, se eu pudesse voltar no tempo. E sim! E eu não tentaria consertar nem os erros, porque se não fossem os erros, também não estaria onde estou. E onde estou é muito bom. Tudo o que aconteceu na minha vida era para ter sido da forma que foi. Mesmo quando aconteceram coisas tristes. Porque eu não ia estar aqui, hoje, conversando contigo. O que sinto falta, de momentos que perdi, também já me resolvi quanto a isso, que são momentos do meu filho, depois que voltei a trabalhar. No entanto, percebi que não era pelo João que eu estava me cobrando, mas por mim. E quando entendi que não era por ele, que ele não sofreu por causa disso, fiquei em paz. Nós, mães, nos cobramos demais.

E o futuro?
O futuro é lindo. Vejo-me bem velhinha, e está tudo bem. Outro dia eu estava escutando a Ana Paula Padrão falando que vai viver 125 anos. Não sei quanto tempo vou viver, mas vou viver bastante e muito bem, porque estou me cuidando, estou me olhando com muito mais carinho. Não falo desse “namastê” como vemos por aí. Estou mais feliz com a pessoa que estou me tornando. Estou me divertindo mais com a vida. Fé é uma palavra que anda comigo. Venho falando com bastante clareza: está tudo bem do jeito que está, e o que melhorar será muito bem-vindo.
***

Acompanhe as novidades da FAUSTO pelo Instagram!

Conheça também meu primeiro romance, NANA, um elegantíssimo convite ao autoconhecimento e à autorreflexão.

Disponível na Amazon!

NANA livro

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.