Pra Você Lembrar de Mim: meu pai e eu

Sob o signo da harmonia, minha história com meu pai foi como a de um conto de fadas. Como a história encenada por Carina Sacchelli e Eduardo Martini no espetáculo Pra Você Lembrar de Mim.

Conto de fadas, assim… Fui já meio que intuindo que precisaria de amparo pela saudade.

Meu pai foi a pessoa mais gentil, risonha, desprendida e amorosa que já conheci. Ele foi meu amigo até nos momentos em que um pai costuma chamar a mãe para dar aquela força, como na montagem em cartaz no Teatro Uol.

Eu, que tinha planejado ir sozinha, tive a sorte de meu marido não concordar, então ele foi o esteio, porque o choro desenfreado do luto também gera apagões, como o Alzheimer.

Com texto de Regiana Antonini e direção de Elias Andreato, Pra Você Lembrar de Mim apresenta uma atuação fenomenal de Eduardo Martini como o pai que vai declinando com a doença.

Já Carina, sou eu.

Então, peço licença à Carina para atuar em seu lugar, aqui, neste espaço.

Meu pai me socorreu no irrompimento da menstruação, nos abismos dos corações partidos, nos sonhos de ser tudo o que fui sem me cobrar que eu fosse. Sobre a arte de ser pai é dificílimo escrever porque dele eu só tenho sensações inomináveis.

Ele não morreu de Alzheimer, mas a doença estava no começo e ele só me reconhecia pela voz.

— Oi, pai, chegou a mulher mais linda do mundo!

— Oi, minha princesa!

E todas as enfermeiras viam a tal princesa com olheiras de dar medo, rosto abatido, cabelos mal cuidados e qualquer roupa, porque era qualquer coisa na padaria, nos restaurantes, nos pedidos do mercado: qualquer coisa.

Não havia forças para mais nada do que assisti-lo morrer. Eu guardava toda a energia que restava para subir os cinco andares de escadas do hospital — porque o elevador tornava tudo ainda mais sufocante.

No entanto, sou mulher de um privilégio incalculável: fui criada por um homem que não me restringiu de ser mulher. Então, não sei o que é não poder fazer qualquer coisa. Eu sempre pude. Eu sempre fiz. E tinha a consciência de ser dona de mim.

No decorrer da peça — neste espelho que é o teatro — fui reconhecendo minha formação através da personagem de Carina.

Meu pai me ensinou a me fazer respeitar por minha originalidade, não pela obediência. Ensinou-me por seus próprios atos uma dedicação generosa a qualquer coisa.

Não havia nele o hábito de inferiorizar ninguém, tampouco a mim, caso eu fosse uma desajeitada para o mundo da lógica — o que nunca foi o caso. Se não é privilégio, não sei o que é.

É um privilégio poder ir ao teatro, sentar-me diante de artistas que se deixam de lado para serem outros que vão nos humanizar — ou serem eles mesmos, que também precisam lidar com o “deixar ir”.

Carina, não sei se eu fui tão leve quanto você. Talvez, a meu modo. Sei que fui divertida.

Sempre fiz parte da vida improvisada dos homens: meus amigos, meus amores, meus colegas de trabalho. Veio do meu pai uma segurança já provada, fácil estar em qualquer lugar, com qualquer um. Não minto e sei guardar segredos.

Pra Você Lembrar de Mim é uma peça apresentada às terças-feiras. Em São Paulo, dia difícil de se animar para ir ao teatro — mesmo morando nas imediações.

Contudo, deixo o convite para se entregar a essa história tocante, com atuação brilhante!

Porque ninguém está a salvo de viver sem perder.

Porque ninguém está a salvo de amar e ser amado.
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Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.