Talvez, Luiz Felipe Pondé seja o último romântico. Na filosofia contemporânea, me refiro. Porque ele é um “espírito romântico” e porque é escravo do gosto. Prova é Amor para corajosos.
Gosto do quê?
Gosto do próprio amor, gosto da mulher, o gosto agridoce desse sentimento que, em suas palavras, pode levar-nos ao desespero ou à deliciosa experiência de uma reinvenção da vida.
Quando compara o tipo de amor kantiano e nietzschiano, por exemplo, Pondé se mostra pertencer ao segundo time, justamente por ser um romântico, como Nietzsche. É importante saber disso para compreender porque o filósofo visceral pensa o que pensa sobre o amor. Ou seja, não é nada protocolar como seria em Kant.
Voltemos, entretanto, a Contra o mundo melhor, de 2013. Em um de seus aforismos em que fala de amor – tema, aliás, recorrente em praticamente todos os livros – Pondé anuncia: Só desejo uma mulher que seja dependente de mim. E quero que ela seja viciada e dependente de mim até a morte.
Não seja raso na compreensão da sentença. Romantismo é assunto sério e exige de quem decide entrar nesse universo complexo e contraditório o mínimo de boa educação, que neste caso é não gritar convicções sobre a “submissão” da mulher. Como escreve em Amor para corajosos: a pressa é um pecado no pensamento.
Não é a nada disso que o filósofo se refere. Em Amor para corajosos fica mais claro: A autenticidade não é mera mania de dizer verdades inconvenientes, mas a virtude de se ver constantemente no amor e no desejo de fazer o outro feliz. Perder-se no amor por alguém é encontrar-se como ser humano que para existir precisa de um outro a quem reconheça como o ser humano mais importante do mundo para si.
Confessemos: todos desejamos ser a pessoa mais importante da vida de alguém.
A autenticidade é o maior bem romântico. Bem que, inclusive, vem antes dessa concepção particular de amor. Mas assim como o amor, a autenticidade foi colocada no mercado. Daí as mentiras de que tanto você pode amar do seu jeito como pode ser quem você quiser ser. Não é bem assim e nas palavras de Pondé: O indivíduo empoderado do capitalismo ama apenas abstrações que não implicam nenhum risco ou sofrimento.
Em resumo: nunca teremos controle sobre o amor. Ou viveremos em desejo ou viveremos em culpa.
Amor para corajosos então é um desses títulos que lemos escondido, por medo de nossos olhos brilharem demais e denunciarem que também somos mais uma vítima da invenção dos românticos históricos.
O que ler esse título de Pondé, contudo, permite: primeiro, ver que o amor romântico é melhor do que a versão hoje apresentada; segundo, aceitar que na tentativa de não sofrer de amor podemos deixar de viver uma das mais significativas experiências que essa vida sem sentido é capaz de nos proporcionar. Ou seja, o amor é um sentido enquanto tal, e evitá-lo é tornar a vida ainda mais vazia. Por fim, não tentar enquadrar o amor, formatá-lo, dar-lhe regras ou torná-lo a “cereja do bolo” de seu lifestyle invejável, o “toque final” de sua vida bem planejada. Nada pode ser pior para o amor do que tornar-se capa da Casa Vogue.
Creia: amor não é narcísico e os narcísicos não tem vez no amor. É preciso predisposição para o fracasso para amar. Pondé concorda. Um dos segredos para manter o amor, segundo o filósofo, segue sem meias palavras:
A intimidade sexual é uma das rotinas mais poderosas para manutenção do amor. Não existe amor platônico, a não ser em pessoas doentes de alguma forma, pois o amor pede carne. É carnívoro como um predador pré-histórico. O amor gosta de se melar na fisionomia de quem ama. Na filosofia, ele pertence ao universo de tudo que é empírico, nunca do que é metafísico. Pede toque. Uma mulher amada morre quando é tratada como santa. Seu ambiente natural são o pecado e a posse. A separação entre amor e sexo é para ignorantes.
Sobre a bagunça que o amor pode fazer se cedermos a ele – e ao cedermos, ele pode ir facilmente da bagunça à destruição – Pondé classifica suas vítimas – eu e você, talvez – como dois condenados: os canalhas e as vagabundas.
Diga-se: Como saber se você é um canalha ou uma vagabunda? é um dos mais libertadores ensaios do livro. Direto ao ponto, pode economizar anos de terapia.
Pois é. Além de toda essa agonia, quem ama precisa lidar com a inveja de quem não é capaz de amar.
É ou não é algo para corajosos?
Seja como for, você coitado e você condenada: não estamos sozinhos. Pondé está conosco. Além-vida, talvez Nietzsche agarrado a um exemplar de Anna Kariênina.