Bem-vindo à casa de Gertrude Stein!

A peça Gertrude, Alice e Picasso, no intimista MI Teatro, nas imediações da Avenida Paulista, nos transporta para a Belle Époque parisiense na qual gênios tinham um ponto de encontro: a casa de Gertrude Stein.

A montagem, cujo texto original é de Alcides Nogueira, com direção de Vanessa Goulartt, também brinca com o tempo e com as personagens que o circundam: tanto faz se Gertrude mora na Paris dos anos 1920 do século passado ou na São Paulo do século XXI.

Por isso, há referências aos nossos modernistas, aos tropicalistas, aos mineiros, à geração de oitenta e às gerações Z e — sim! — Beta.

O tempo pouco importa, afinal, o legado dos gênios ultrapassa essa fronteira ilusória e efêmera.

Ao lado de sua Alice B. Toklas, Gertrude Stein recebia em seu lar figuras como Hemingway, Matisse e Picasso. No caso deste último, uma relação mais forte foi construída. à base de admiração, amor e muitas brigas.

No espetáculo, Bárbara Bruno interpreta com maestria Gertrude Stein, enquanto Patrícia Vilela — que tem os olhos mais brilhantes! — dá vida à Alice. Joca Andreazza é Picasso.

As três personalidades possuem papéis bem definidos: enquanto Gertrude e Picasso protagonizam, Alice se resigna em seu papel de coadjuvante — numa leitura simplista; afinal, não existe Gertrude sem Alice, ao menos não na literatura.

Fica nítido o contraste entre a sensibilidade doméstica de Alice e a “violência” criativa de Picasso, ambos querendo a atenção de Gertrude.

Esta, por sua vez, nutre amores distintos: Alice é o amor da sua vida, sua companheira e confidente; já por Picasso, Gertrude sente um amor pela sua genialidade, materializada em seus quadros.

Se eles têm um caso?

Merece atenção também o jogo de luzes, comandado por César Pivetti, que mexe com nossas emoções nos momentos de tensão e de introspecção. Vemos claramente cada personagem debatendo-se com seus demônios. Ah, como os olhos de Alice brilham! Há detalhes no teatro que tornam a experiência infinitamente mais profunda.

Embora contribua, não é necessário conhecer as personalidades para assistir Gertrude, Alice e Picasso. Inclusive, a peça pode servir como uma boa introdução para quem não sabe muito da importância dessas existências geniais — e de suas obras —, embora não dê para separar uma coisa da outra.

Inevitavelmente, um dos três fisgará você para um mergulho mais profundo. Recomendo A Autobiografia de Alice B. Toklas, escrita por Gertrude Stein.

Ficou claro, não?

Nem preciso escrever que Alice me toca profundamente. Porque seus olhos brilham?

Também.

Contudo, é porque seus olhos brilham ainda mais quando fala de receitas.

Aproveitando a deixa, o MI Teatro é uma atração à parte, mantido com a generosidade de Mara Carvalho.

Excelente opção para a cena paulistana da dramaturgia — e da gastronomia —, o restaurante El Mercado Ibérico fica no mesmo andar e permite saborear pratos maravilhosos falando muito, muito acerca desses três e tantos outros mais que frequentaram a casa de Gertrude Stein.

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.