Atuando na área ambiental há mais de duas décadas, o entrevistado da FAUSTO é daqueles que fala e também faz. Diretor-presidente da Fundação Tavares Ferreira e da Carbon Zero, Carlos Alberto é um dos precursores do mercado de carbono no Brasil e um dos nomes mais respeitados do setor. Dominado por um espírito sedento por conhecimento, o nosso convidado tem a incrível capacidade de despertar curiosidade e sentimentos nos seus milhares de seguidores no LinkedIn, com postagens das mais variadas — do Egito antigo à infraestrutura dos Países Baixos —, tornando a rede social mais palatável. Dessa forma, além de fomentar um conteúdo de qualidade, Carlos Alberto atrai públicos diferentes que passam a segui-lo e, como consequência, a conhecer suas ações em prol do meio ambiente.
FAUSTO — Em seu livro “Uma história natural da curiosidade”, Alberto Manguel diz que as perguntas tendem a unir, ao contrário das afirmações, que normalmente isolam. Saber despertar a curiosidade é uma das melhores formas de interação humana?
Carlos Alberto: Perfeitamente. Às vezes eu posto alguma coisa que tem muito significado para alguém. Pode ser diretor de empresa, mas é um ser humano, uma pessoa que tem as suas angústias e dificuldades. Uma pequena lembrança que posto faz o sujeito retroagir. Isso é legal! É empoderar as pessoas com o melhor que elas têm, que é a humanidade. Alguns me questionam: “Carlos, o que isso tem a ver com o carbono?” Isso que é legal, não tem nada a ver com o carbono. Hoje eu bato papo com tanta gente. Às vezes a pessoa quer comentar sobre uma passagem da vida dela naquele momento. Isso não tem preço.
A mudança de comportamento, independentemente do âmbito, passa necessariamente pela curiosidade?
Claro! A curiosidade é o que estimula a mudança do comportamento. As pessoas têm de ser curiosas e ousadas, isto é, não só ser curioso, mas fazer. O diferencial são as pessoas poderem fazer, não só criticarem ou comentarem. Faça algo que vai modificar no mínimo o seu entorno. Comece pela sua casa, pelo seu quintal, pela sua vizinhança, aí depois pela sua cidade, pelo seu estado e vai embora. Com ações, não com palavras.
O ruído advindo do excesso de informações perturba o espírito?
Sim, perturba. Hoje não tem filtro para o ruído: as telas dos smartphones, dos computadores, da própria televisão podem prejudicar seriamente as pessoas. O ruído pode se tornar até uma arma contra a própria pessoa que o está provocando e isso é muito grave.
O ser humano só se atenta em preservar algo quando este está em vias de escassez?
Isso sempre foi natural. Nos últimos 100 anos destruímos praticamente 90% das florestas da Mata Atlântica, só para se ter uma ideia. São recursos naturais que só foram consumidos e não foram repostos. Imagina quanta biodiversidade foi extinta nesse impacto. É muito bom chegar numa praia limpa, mas as pessoas muitas vezes costumam deixar os seus dejetos, lixos, tudo que não era para estar ali. Seria muito bom que outra pessoa encontrasse essa praia também limpa. A pergunta é: que praia que nós estamos deixando para daqui a 100, 200, 300, 400 anos? Que tipo de água vamos deixar, que tipo de solo, que tipo de ar, que tipo de biodiversidade? Será que eles vão abrir um livro e dizer “olha, isso aqui era um leão”, como vemos hoje as evidências dos dinossauros? Isso é muito sério. A solução tem que partir de cada um separando o seu lixo dentro de casa, no mínimo apagando aquela luz onde não tem ninguém, fechando aquela torneira que está pingando, água que foi tratada, água que é cara. É essencial cuidar do básico e ter a responsabilidade socioambiental de que nós não somos eternos, passamos muito rápido por este planeta. Então, que a nossa passagem seja responsável, seja uma passagem de plantio, de criação, e não de destruição.
É mais fácil preocupar-se com o meio ambiente em escala global do que cuidar da árvore do quintal?
Sim, porque é fácil falar. Pessoas estão comentando sobre o que aconteceu em Valência, mas olha o que ocorreu aqui no Rio Grande do Sul, há pouco tempo também no Rio de Janeiro, no Paraná, em Santa Catarina, enfim, vários eventos climáticos. No ano de 2018 nós criamos o Painel Paranaense de Adaptação e Mudanças Climáticas. Registramos, autenticamos, levamos para a Assembleia Legislativa para fazer o protocolo e alguém lá questionou: “Carlos, o que é isso?”. Adaptação é quando se prevê o que vai acontecer e se prepara para isso. Apresentei em 2018 e, atualmente, a palavra adaptação está na boca de todo mundo. Um ano depois, Curitiba ficou sem água por dois anos. O inimaginável aconteceu. Aí me chamaram rapidamente: “Carlos, como é que a gente vai implantar isso aqui?”. Ninguém quer prever antes a mitigação. Nós apresentamos esse painel no Rio Grande do Sul há um ano. Contudo, pegam o papel e falam “para que isso?”. Dinheiro existe para criar painéis com responsabilidade, que irão gerar informações transparentes para a criação de políticas públicas.
A paixão desmesurada mais atrapalha ou ajuda na luta por algo?
Primeiro, você tem que saber quais são os fatos pelo qual você está lutando, qual o seu propósito. Quando a luta não é feita pelo propósito, mas sim pela ideologia, não dá certo. É experiência muito clara que não dá certo, não funciona.
Até que ponto o marketing atrapalha causas como a do meio ambiente?
Eu acho que o marketing não atrapalha, ele simplesmente pode ser mal interpretado da forma como é exposto. O marketing é uma ferramenta absurdamente incrível e as pessoas que estão por trás disso têm o poder de passar a informação através de uma imagem, de uma fala, de um propósito e também de uma ideia, mas isso pode ser também deturpado a depender da forma como se está apresentando essa proposta.
E a inteligência artificial?
As pessoas estão usando o Chat GPT para fazer consultoria; tem advogado usando a ferramenta para prestar consultoria jurídica também. Isso é bom e ruim, tem os dois lados. A partir do momento que tira o propósito de humanizar uma ação, de fazer uma consultoria personalizada, mas que tenha o propósito inicial e o resultado final, é uma coisa. Porém, quando se usa do A ao Z essa inteligência artificial, acabamos virando refém da ferramenta. Tem que ser dosado e bem mensurado.
A responsabilidade individual está intrinsecamente atrelada à responsabilidade coletiva?
Claro, tudo é parte do indivíduo. Aí entra o ESG [sigla em inglês para ambiental, social e governança]. Temos que entender o que é bom para nós e o que é bom para o coletivo. Primeiro temos que estar de bem com nós mesmos, conscientes de que o que estamos fazendo é certo, para depois passar essa ideia e replicá-la para que as pessoas à nossa volta possam se beneficiar com as nossas informações ou opiniões. Temos que cuidar do nosso interior para aflorarmos individualmente e só depois coletivamente. Cada um tem que ter o seu propósito, e não apenas falar da boca para fora. Fazer a coisa acontecer de dentro para fora.
Você se considera otimista?
Me considero otimista, claro. Sempre, sempre. A ideia é, por mais ruim que esteja, sempre está bom. Simplesmente você sabe que tem um dia novo pela frente, são 24 horas de possibilidades. O seu livro é aberto. O otimismo tem que acordar junto com você de manhã cedo. Por mais ruim que seja, está bom. É mais um dia, é mais um propósito a ser alcançado.
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