No registro de batismo: Elena Ivanovna Diakonova. Data: 7 de setembro de 1894. Origem: Kazan, Rússia.
Por que Gala?
Porque ela enjoou de Elena.
Filha de uma família de intelectuais de classe média alta, moldada por uma educação literária e filosófica substancial, Gala cultivou desde cedo uma personalidade densa, porém magnética.
Muito antes de assumir o nome pelo qual entraria para a história, já era conhecida por sua frieza, lucidez, ambição e, claro, uma sedução que não pedia permissão.
A atriz Mara Carvalho dá vida a essa mulher que nunca fez de sua trajetória um drama. Ao contrário: manteve-se acima de qualquer tipo de conflito — e não foram poucos.
Sua independência e domínio sobre o gênio criativo de Salvador Dalí foram vistos por alguns como opressivos, embora por outros como fundamentais para a grandeza do pintor.
Entrando no teatro, o cenário frio causa uma primeira impressão completamente equivocada: o que Mara Carvalho entrega é quente, é tormentoso, é inflexível.
A Gala de Mara não tem vida sentimental, mas carnal. Não há ternura, tampouco autopiedade.
Ainda jovem, Gala foi enviada à Suíça para tratar de uma tuberculose. Lá, conheceu o poeta francês Paul Éluard, com quem se casou. Juntos, mergulharam no universo da poesia e das vanguardas artísticas do início do século XX — especialmente o surrealismo.
O surrealismo foi um movimento artístico e literário que surgiu na década de 1920, na França, e buscava expressar o mundo dos sonhos, do inconsciente, tudo que há para além da lógica e da razão.
Por isso há tantas imagens estranhas, combinações que não fazem sentido. Elas vêm do inconsciente, e a intenção é justamente que não haja lógica.
Depois dos horrores da Primeira Guerra Mundial, muitos artistas e escritores queriam romper com a razão. A ordem era escrever ou desenhar sem pensar, deixando o inconsciente guiar.
Salvador Dalí — com todo o suporte de Gala — destacou-se com seus relógios derretidos e paisagens oníricas.
Antes, porém, de falar dele, Gala também teve papel essencial na carreira inicial de Paul Éluard, ajudando a moldar seu estilo poético e servindo como inspiração para grande parte de sua obra.
Ela também participou ativamente dos círculos surrealistas parisienses, conhecendo artistas como Max Ernst, com quem teve um romance intenso, além do próprio André Breton, que a desprezava, chamando-a de “esfinge com gelo no coração”. Embora, evidentemente, não tenha resistido à sedução firme, de mulher emocionalmente petrificada de Gala.
Como Gala encontra Dalí?
Em 1929, Gala conheceu o jovem e excêntrico Salvador em Cadaqués, na Espanha. Ele, onze anos mais jovem, apaixonou-se no mesmo instante pela presença enigmática da mulher que não era bonita — e ela sabia disso.
Gala não pensou duas vezes e abandonou Éluard, passando a viver com Dalí, uma união que se tornaria tão intensa quanto controversa — principalmente aos olhos alheios.
Contudo, não era incomum Dalí dar os louros à Gala:
“Gala é a minha vitória total. Porque graças a ela, sou Salvador Dalí.”
Sendo, no entanto, mais do que uma inspiração, ela atuava como agente, empresária, editora e curadora da imagem de Dalí.
Controlava contratos, organizava exposições, impunha limites e estratégias ao comportamento lunático do marido — protegendo-o, desafiando-o e guiando-o ao estrelato internacional.
Em 60 minutos, a Gala Dalí de Mara Carvalho conta uma das histórias mais interessantes do mundo das artes sem que consigamos piscar.
Sua voz é potente; seus gestos, grandiosos; seus olhos, ferozes. E a sensualidade que sempre permeou sua imagem, tanto no teatro quanto na televisão?
Que acerto de texto, de atuação, de direção — que é assinada por Ulysses Cruz.
Gala era culta, poliglota, firme nos negócios e alheia às convenções sociais. Seu distanciamento emocional era visto como força e mistério. Evidentemente, foi acusada de manipuladora e infiel.
Porque era extremamente vaidosa, apreciadora do luxo, escolheu se recolher para não ser vista envelhecendo.
Em muitos quadros do pintor, ela é retratada como mística, sensual, religiosa, intocável — a personificação da obsessão de Dalí pelo eterno feminino e pela eternidade da arte.
Saí do MI Teatro pensando se Mara Carvalho é assim também. Quis tomar um vinho com ela, tão elegantemente como ela nos recepcionou. Perguntaria o que a levou a escolher Gala Dalí.
No fim de sua vida, Gala pediu a Salvador um castelo na Catalunha. Ele a presenteou com a condição de só ele poder visitá-la, convidado por escrito. O Castelo de Púbol tornou-se o refúgio da musa, decorado por ele mesmo em estilo medieval-romântico.
Ela viveu lá seus últimos anos e por lá mesmo está enterrada — sozinha. Dalí foi enterrado no Teatro-Museu Dalí, em Figueres.
Gala faleceu em 10 de junho de 1982, aos 87 anos. Sua morte fez com que Dalí mergulhasse numa profunda depressão, da qual nunca se recuperou totalmente.
Como nós, espectadores, depois de assistir Gala Dalí, de Mara Carvalho.