Grupo Corpo: luxúria e paixão em Ernerto Lecuona

Luxúria. Paixão. Tecidos delicados e coloridos voam pelos ares e vestem corpos perfeitos.

Falo do espetáculo de dança Lecuona, do Grupo Corpo.

As bailarinas, instrumentos irrepreensíveis, revelam e exalam a paixão da música de Ernesto Lecuona, o pianista e compositor cubano.

Apresentado pela primeira vez em 2004, coreografado por Rodrigo Pederneiras, o espetáculo é, como nenhum outro da companhia, expressão de pura paixão e luxúria.

Para o próprio Pederneiras foi um marco. Quando Lecuona foi lançado, Rodrigo estava há 12 anos à frente da cia e nunca tinha aberto mão de uma trilha sonora exclusiva. E nesse espetáculo, todas as canções são originais.

A paixão de Rodrigo por Ernesto Lecuona aconteceu há mais de 20 anos, quando o coreógrafo ganhou do amigo João Cândido Galvão, o crítico de arte, uma fita cassete com algumas das canções mais emblemáticas do cubano.

O tempo, que se encarregou de tornar velho o registro a ponto de destruí-lo, também guardou uma surpresa: numa turnê da companhia pelos Estados Unidos, duas décadas depois, Rodrigo encontrou uma única coletânea de Lecuona, o que para o coreógrafo pareceu mesmo ter sido feita para um balé.

O trabalho de Rodrigo foi, então, o de apenas dar movimento à vibrante energia de Ernesto.

Para morrer de amor ou de amar, os doze pas-de-deux arrebatadores passam por tangos e boleros e colocam o espectador numa espécie de quarto íntimo no qual dificilmente consegue manter guardada qualquer paixão, ou o desejo de viver uma paixão.

Assinado pelo diretor artístico da companhia, Paulo Pederneiras, o cenário mantém o foco sempre nos duos, o que permite sentir mais avidamente a entrega dos pares.

Difícil escolher o mais lindo, eles que vão do romântico ao descaradamente sexual, como o da canção Recordar, que por sua vez é uma das coreografias mais criativas do espetáculo. Os passos de abertura são luxuriosos!

Os vestidos desenhados pela arquiteta Freusa Zechmeister valorizam os corpos das bailarinas. Pele à mostra!

Paixão.

Luxúria.

Zechmeister fez das bailarinas as amantes descritas nas músicas de Ernerto.

O público deseja a mulher entregue aos movimentos ou inveja a mulher que, ali, através dos movimentos, consegue expressar toda a sua paixão e necessidade de saciá-la.

Para que tudo saísse muito natural e despertasse nas próprias bailarinas o desejo mais íntimo, as coreografias foram criadas de acordo com cada personalidade, assim como as cores e os modelos dos vestidos.

Bom, estamos falando do Grupo Corpo. Impossível esperar menos.

O calor e a sensualidade da dança latina dão o quê familiar que sempre agrada.

É interessante notar que os duos funcionam sozinhos, não precisando necessariamente que uma ordem seja seguida.

Isso permite que os holofotes destaquem os pares com merecimento e que também agrade o espectador apaixonado à espera de mais um número ao término de cada dança.

É tudo tão sensual que poderia beirar ao vulgar, ao desnecessário, mas não. A elegância está presente em todas as cenas, que até parecem ter sido criadas para o cinema.

Os corpos voam, imploram, pregam, suam e se desligam numa ordem nunca previsível.

A sensação que se tem é que os corpos se divertem como se dançassem na sala de casa, cada um com o seu par.

Apaixonados, embriagados.

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.