Mary-Frances O’Connor: “Chorar é apenas uma maneira de expressar o luto”

Cada luto tem seu caminho. Não sei se se cruzam, se andam em paralelo, se se findam na mesma velocidade em que se atropelam“, escrevi a sentença em meu primeiro romance NANA. Mal sabia que viveria, pouco tempo depois, um dos momentos mais difíceis de minha vida: a morte de meu pai. Nesta entrevista com Mary-Frances O’Connor, autora do best-seller O cérebro de luto: Como a mente nos faz aprender com a dor e a perda, busquei compreender alguns de meus sentimentos, sobretudo por que eu não conseguia chorar? Seu livro é mais do que um consolo, é útil para entender o que, intuitivamente, escrevi em minha ficção: cada luto tem seu caminho. Professora de psicologia da Universidade do Arizona, O’Connor conduz estudos que visam interpretar o processo de luto, tanto psicológica quanto fisiologicamente. Seu trabalho se concentra na tentativa de descobrir os mecanismos que causam reações contínuas e severas depois da perda. Sinceras condolências.

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Entrevista com Mary-Frances O’Connor, autora do best-seller “O cérebro de luto: Como a mente nos faz aprender com a dor e a perda”.

FAUSTO – Existe uma maneira de vivenciar o luto sem religião?
Mary-Frances O’Connor: Embora a experiência do luto seja universal, a expressão varia enormemente entre culturas, períodos históricos e talvez até mesmo entre espécies. A religião é parte da expressão do luto para muitas pessoas. No entanto, o luto pode ocorrer fora de uma compreensão religiosa, mesmo que se encaixe numa visão filosófica mais ampla, como o ciclo agrícola da vida e da morte. Além disso, há uma forma de compreender como o luto acontece no cérebro, que é tentando entender a codificação do vínculo do relacionamento – o que leva a uma angústia e saudade tão intensas quando a pessoa amada está ausente.

É possível encontrar o sentido da vida no momento em que descobrimos que um ente querido está prestes a falecer?
Para muitas pessoas, enfrentar a mortalidade de nossos entes queridos suscita questões existenciais. Pessoas enlutadas costumam descrever que sentem uma gratidão maior pelo tempo precioso que temos na Terra, pelos entes queridos que ainda estão vivos, além de uma motivação maior para utilizar nosso tempo com sabedoria. Claro, esse não é o resultado para todas as pessoas enlutadas, e o momento em que esse sentimento de propósito surge pode variar entre indivíduos, mas também pode ocorrer no momento do diagnóstico.

Quanto menos vida temos, mais valor damos aos detalhes, aos simples momentos da vida?
Há uma teoria na gerontologia, apoiada por vários estudos, que demonstra que quando percebemos que o tempo está se esgotando, alteramos nossos objetivos, deixando de lado a exploração e o desenvolvimento de novos relacionamentos sociais em favor dos relacionamentos emocionalmente significativos no momento presente. Essa mudança em direção a metas que têm significado emocional, como o bem-estar, é notável em adultos mais velhos. No entanto, pesquisas mostram que até mesmo adultos de meia-idade e mais jovens, se tiverem uma doença que limita seu horizonte temporal, também apresentam essa mudança.

Tenho visto muitas pessoas alcançarem metas que adiaram durante toda a vida depois de perderem alguém que amavam. De alguma forma, o luto pode impulsionar a realização de sonhos
A motivação pode surgir a partir da intensa experiência emocional do luto. Existe uma maneira pela qual o luto elimina tudo o que não tem significado, e isso pode resultar em esforços mais concentrados em direção a metas com propósito. Algumas pessoas também alcançam metas como uma forma de honrar a pessoa falecida, para fazer um pai se orgulhar, por exemplo, mas é importante lembrar que nem todos sentem esse aumento na motivação, o que também é completamente normal.

Passar por um luto sem chorar é normal?
Chorar é apenas uma maneira de expressar o luto e não é universal. Em algumas culturas, são contratados profissionais para chorar em funerais e, em outras, não é incomum assistir a um filme triste ou ouvir música triste para permitir que as lágrimas fluam. Algumas pessoas expressam seu luto fazendo coisas, como criar memoriais, em vez de expressar emoções diretamente. Em minha longa experiência estudando o luto, percebo que as diferenças individuais são tão grandes que raramente vejo algo que não seja considerado normal.

O mundo moderno tem colocado pressão sobre os enlutados para voltarem rapidamente às atividades?
As normas culturais em como memorizamos a morte e como tratamos os enlutados na sociedade mudaram enormemente. Em muitas culturas, era comum alterar nossa aparência, seja vestindo preto ou cortando o cabelo, para sinalizar aos outros o luto. Esses tipos de sinais e gestos para pessoas enlutadas são agora muito menos comuns, e com isso parece existir a crença de que a atividade regular pode retornar rapidamente após uma perda. Contudo, para os enlutados, as dificuldades de concentração, sono, energia e a montanha-russa emocional intensa entram em conflito com essa pressão para voltar à vida cotidiana.
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Indicamos o livro sobre luto: O cérebro de luto: Como a mente nos faz aprender com a dor e a perda.

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NANA livro

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.