Luiz Felipe Pondé está na mira de Deus. Que ousadia acrescentar mais um mandamento à lista que rege cristãos e judeus em todo o mundo, desde os tempos de Moisés.
Lançado pela Três Estrelas, Os Dez Mandamentos (+ um) é um livro atraente para quem vive na superfície do pensamento sobre Deus. Orações de lábios tarifados não constam como exemplos em sua interpretação selvagem dos Dez Mandamentos.
Ao contrário, Pondé exalta a alma que nunca teria misericórdia se dependesse da “bondade” dos homens que dizem entender de Deus. A força do seu texto, aliás, sempre foi esta: dar alívio aos vazios. “O homem é mais interessante quando se perde”, escreve em um dos trechos.
Então, Deus é a razão deste culto em forma de aforismos. E o filósofo coloca sentado, no templo da mente, os crentes e os que têm pavor de religião, dada a maneira como Deus foi monetizado:
“A vida espiritual é uma questão tão urgente que não deveria ser deixada apenas para os crentes. Sua urgência é tanto maior à medida que ela caminha lentamente para o desaparecimento e se torna uma commodity no mercado de bens religiosos.”
Bom, que Pondé está na mira de Deus, não é de hoje. Ou assim muitos querem acreditar quando se incomodam com a petulância de o filósofo ser tão ele mesmo. Quem ousa, afinal, em um livro sobre o grande espelho do Altíssimo pensar alto dessa maneira:
“Conforme o que lemos na Bíblia, a proibição de matar vigora apenas para nós humanos, pois Deus mata, e aos montes.”
Engana-se, porém, e muito, quem pensa em encontrar neste livro apenas o colunista ácido das segundas-feiras. O filósofo discorre sobre o decálogo como um apaixonado:
“Não sou um crente, mas Ele me encantou desde minhas primeiras leituras da Bíblia, quando eu tinha doze anos. Com Sua presença, o Universo fica mais elegante.”
Deus, a promessa maior de preenchimento existencial, nunca ficou de fora de sua obra. Em A Filosofia da Adúltera – Ensaios Selvagens, de 2013, por exemplo, escreveu:
“A santidade é uma doença da alma que se apaixona por Deus”
Ainda antes, em Contra um Mundo Melhor – Ensaios do Afeto, de 2010:
“Ao contrário do que afirmam muitos filósofos, a tradição bíblica não é para gente covarde…”
Caminho natural então foi o deste novo livro. Frases belamente escritas colocam em dúvida sua condição de ateu.
Pondé pode ser um monte de coisas, mas ele não é um descrente. Ninguém é descrente se já experimentou o gozo da beleza. Ou, em suas próprias palavras:
“Quem nunca reverenciou nada do fundo de sua alma nunca teve seu espírito arguido no espaço e no tempo.”
O culto ao qual ministra neste livro – e é muito fácil imaginá-lo falando “caros irmãos…” – discorre sobre cada mandamento e revela seu lado místico, faceta a qual nunca negou, embora poucas vezes a revele tão poeticamente.
A novidade de Os Dez Mandamentos (+ um) é uma explanação filosoficamente leve sobre cada um deles, ancorado em grandes pensadores como o alemão Friedrich Nietzsche, o grego Nikos Kazantzakis, o polonês Abraham Joshua Heschel, o austríaco Martin Buber, o dinamarquês Søren Kierkegaard; assim como o autor da série O Decálogo, de 1989; o polonês Krzysztof Kieślowski.
Tratando-se de Luiz Felipe Pondé, claro, nunca faltariam o russo Fiódor Dostoiévski e o tcheco Franz Kafka – é importante manter os pés na Terra enquanto a mente está nos céus.
Pondé deseja alcançar o leitor comum, aquele que todo dia clama por alguém maior que ele mesmo. Aos que se interessarem mais pelo assunto, vale se aprofundar seguindo as referências que o autor cita ao longo do livro.
Enfim, o mandamento que propõe como um acréscimo ao Decálogo possui esta curiosa palavra: esperança. E porque é escrito por um “cético e trágico”, torna-se algo ainda mais bonito. Sua alma “cega” – embora já tenha sido banhada pela “misericórdia” – de repente propõe: “Terás esperança no mundo.”
Uma bela contradição, como é a alma de todo romântico.
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