Porque somos humanos, somos absoluta contradição. Falar de justiça, perdão, vingança e amor quase sempre requer um esforço monumental porque nenhum desses sentimentos atua de maneira isolada. Além do mais, até que vivamos uma situação definitivamente marcante, somos incapazes de dizer do que somos ou não capazes. “Justiça”, a série brasileira mais comentada dos últimos anos, jogou luz em nossas sombras e Manuela Dias, a autora da série, fala com exclusividade para a Fausto sobre todos esses sentimentos em nós. Você perdoaria Vicente? Teria coragem de abandonar a melhor amiga e deixá-la ser presa? Você desligaria os aparelhos que mantém viva a pessoa mais importante de sua vida se ela assim o pedisse ou mataria para equilibrar perdas? Atire a primeira pedra quem nunca se viu nas garras da injustiça. Confira!

Fausto – Como ser feliz apesar da dor de uma injustiça?
Manuela Dias: Não acredito que a felicidade seja a ausência de tristeza, até porque isso não existe. Se fosse preciso não sofrer para ser feliz, ninguém seria feliz. Na vida somos felizes apesar do sofrimento. Nesse sentido, acredito que a felicidade seja uma escolha. É claro que nem sempre temos as ferramentas suficientemente desenvolvidas para executar nossas escolhas, mas quase sempre temos como afiar nossas habilidades para atingir nossos objetivos. Seja esse objetivo a felicidade ou matar alguém.
Acha que Hobbes tem razão em sua definição de que o homem é essencialmente mau?
Não comungo dessa ideia de que o ser humano seja egoísta por natureza, traço este que seria a origem da necessidade de um contrato social que impeça a auto exterminação humana. Acredito que somos egoístas e altruístas, corajosos e medrosos, apaixonados e entediados, tudo ao mesmo tempo. Como na música, as notas não andam sozinhas, vêm acompanhadas de suas harmônicas. De alguma forma os sentimentos também soam em harmônicas com seus opostos e seus complementares. Ao contrário de um destino que traça os caminhos, aposto que a vida não é o que acontece, mas o que cada um faz com o que acontece. Conceito inclusive enunciado pelo personagem da Adriana Esteves.
Fora da ficção, quando a Justiça não basta, a Vingança pode ser considerada um caminho de real alívio e “às favas” com os contratos sociais?
Quando a Justiça para de ser suficiente, entramos justamente na parte da vida em que não existe regra, por isso não acho que exista uma resposta geral para esta pergunta, mas uma resposta para cada caso. Existe um consenso de que a vingança não é um bom caminho, mas não vivemos segundo nenhum consenso e sim na absoluta singularidade que uma experiência impõe.
Vê o Perdão dissociado da Justiça?
Vejo o perdão como uma forma de se tornar livre do próprio sofrimento. Odiar alguém demanda uma dedicação constante e cria elos muito profundos com o ser odiado, às vezes mais profundos que os elos do amor. Os sentimentos corroem ou alimentam aqueles que sentem. Livrar-se de uma raiva, de um desejo de vingança, é um ato radical de autolibertação – mas operar uma transformação dessa envergadura exige muita consistência espiritual.
Em quais autores buscou referências para trabalhar na série os conceitos de Justiça, Vingança e Perdão?
O curso de Michael Sandel, em Harvard, que virou uma série de TV chamada “Justiça” foi uma grande inspiração, além de “Vigiar e Punir” de Foucault, “Genealogia da Moral” e “Além do Bem e do Mal”, de Nietzsche; o livro do Luiz Eduardo Soares, “Justiça”; o livro da Andréa Pachá, “A vida não é justa” e o filme “The Act of Killing”, do Joshua Oppenheimer, sobre assassinos oficiais da Indonésia, além de histórias que ouvi quando realizei o projeto “Conte Sua História e Ganhe um Real”, recolhendo depoimentos na rua.
Concorda com a frase de Edmund Burke que diz “para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada”?
Não acredito em bem e mal pensados de forma isolada. A “vilanização” dos sentimentos maus pode ser tão ou mais danosa do que os próprios sentimentos. Essa separação não deixa de ser uma tentativa de simplificar nossa complexidade ao experimentarmos o mundo.
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