Maria Padilha: “O erotismo é parte de uma estratégia de sobrevivência”

Que nome, que mulher, que atriz! Maria Padilha, a Pomba Gira, é uma das entidades mais reverenciadas nas tradições afro-brasileiras. Associada à força feminina, à sensualidade e à independência, reflete o espírito de tantas mulheres que assistem a novelas como uma forma de sonhar e se inspirar. Todos esses simbolismos convergem e falam dela, Maria Padilha, a linda e sedutora atriz que, em cena, exala uma luz ímpar. Quando perguntei qual era seu maior privilégio, respondeu-me que é sua vocação para a alegria. Na FAUSTO, quase uma casa de espiritualidade poética, sua presença é celebrada. Maria discorre sobre seu nome, seu lugar, sua visão de mundo, preferindo que o tempo passe entre risadas e experiências enriquecedoras. Em homenagem, a presenteamos com flores, velas, perfumes e, claro, um brinde!

Maria Padilha
Foto: Vinícius Mochizuki.

FAUSTO — Como é ter um nome tão poderoso?
Maria Padilha: Meu nome é uma coincidência. Por isso acho ainda mais interessante. Meu sobrenome é Padilha Gonçalves, mas minha família inteira é conhecida como Padilha. Quando eu estava na escola, os professores nas chamadas sempre me chamavam de Maria Padilha. Aos 15 anos, quando me sindicalizei como atriz para fazer uma peça infantil, pediram-me um nome e falei Maria Padilha, claro. Depois é que eu vim saber o que significava.

Como foi a descoberta?
Eu estava voltando de táxi da escola, era adolescente. No espelho do motorista havia um colarzinho preto e vermelho, perguntei se era devido ao Flamengo e ele respondeu que era uma guia de Maria Padilha. Um tempo depois, quando fiz minha primeira novela, Água Viva, o Boni — acho que foi o Boni, não me lembro mais — não quis que eu tivesse esse nome. Eu já tinha feito alguma coisa em teatro, meu nome já era Maria Padilha, mas daí colocaram na novela Maria Padilha Gonçalves.

Qual foi sua reação?
Fiquei chateada, magoada. Eu ainda era muito garota. Foi o primeiro trabalho que eu fiz em televisão, não aceitaram meu nome com medo do que pudesse agregar. Sei lá, exatamente, com medo do quê.

Ficou curiosa para saber quem é Maria Padilha?
Sim, fui estudar um pouco. Pessoas mais cultas contaram-me da Maria Padilha da Espanha, uma cortesã que se casou em segredo com um rei. Amigos meus iam para Sevilha e lá tem uma rua chamada Maria Padilha. Eles tiravam fotos do castelo em que ela viveu. Certa vez, lendo um livro do Antônio Cândido a respeito de bruxaria, estava lá uma oração para Maria Padilha e toda a sua quadrilha. Eu acho que essa cortesã espanhola suscitou uma idolatria, a endeusaram, e nesse sincretismo do Candomblé, da Umbanda, não sei ao certo, tornou-se uma entidade famosa, rainha das Pombas Giras. Meu nome não foi de propósito, mas eu gosto.

Nunca usou seu próprio nome para se auto potencializar?
Às vezes penso que é legal ter esse nome. Fui muito amiga do Zé Celso e do Martins Corrêa do Teatro Oficina. E Maria Padilha é a padroeira do Teatro Oficina. Quando eu ia lá, ele cantava pontos lindos, cada um diferente do outro. Fico muito feliz, porque foi uma coincidência, mas acabou se tornando algo mais forte justamente porque não foi proposital. Se tivesse sido uma homenagem dos meus parentes, por exemplo, não teria tanta força.

O ator, no fundo, tem uma ânsia pelo olhar do outro?
Acho que sim. Por mais que vamos amadurecendo — eu, pelo menos, fui adquirindo um olhar para mim mesma; ou seja, o meu olhar é mais importante do que o olhar de qualquer outra pessoa —, temos sim, não adianta negar. O próprio estar em cena no teatro, a forma como nos relacionamos com o público é meio mística. Quem são aquelas pessoas que foram até ali? Não conhecemos pessoalmente a maioria delas, mas acaba sendo uma troca muito mística. Agora, temos que trabalhar isso dentro de nós para que o olhar do outro não determine nossas escolhas, nossos prazeres. Que seja uma maneira de nos potencializar, de exigir que melhoremos, mesmo que seja um olhar crítico.

Fica atenta às respostas do público?
Se você está num espetáculo — ou fez um trabalho em vídeo ou em cinema —, que você acha que não está tendo uma acolhida tão boa, é bom prestar atenção porque o público sab. O público sempre sabe. Então, temos que prestar atenção para ver se melhora, trabalhar mais, estudar mais. Agora, acho que trabalhamos muito pelo olhar do outro; temos que trabalhar dentro de nós para que esse olhar do outro exista para nos potencializar, não para ser só uma crítica. Tenho um olhar acerca do meu trabalho, e talvez o meu olhar seja o mais importante de todos, por ele ser tão crítico. Posso receber um elogio de uma pessoa que eu admiro imensamente, mas jamais me completará tanto do que eu saber que estou fazendo algo bom. Meu “auto-olhar” é muito crítico.

A transgressão renova suas forças?
Interpreto essa palavra como estar indo para um lugar que eu não conheço. Quando estou num trabalho, por menos ambicioso artisticamente que ele possa parecer, sempre gosto de visitar um lugar que eu não conheço. E na vida eu não penso muito em transgredir, não. Penso em viver. E se estou transgredindo é porque foi natural da minha estrada que houvesse essa transgressão. Todavia, no trabalho, eu preciso. Preciso de renovação. Estou sempre me jogando num abismo diferente, sabe? Não gosto de ficar em zonas de conforto. Alimenta-me muito saber que estou num lugar que eu não conheço.

Qual é o papel do erotismo em sua rotina mais prosaica?
O erotismo é vida. Eros é vida. Minha vida inteira foi coberta de erotismo. Tudo. Sou uma pessoa que gosta muito da beleza; do cotidiano, das coisas pequenas. Sempre fui assim. Sou filha de Oxum, sou taurina, regida por Vênus. Então, gosto da beleza. O erotismo é importante porque ele é vital, me traz vida. Sem o erotismo não temos vida. Sempre procuro enfeitar um pouco a rotina, porque a vida às vezes nos entristece, nos joga para baixo. O erotismo é parte de uma estratégia de sobrevivência. Ou seja, estamos sempre encantando a vida, erotizando a vida, dando vida à vida.

O poder de sedução é maior do que a beleza, mas o que é maior do que o poder de sedução?
O poder de sedução é maior do que a beleza, concordo com você. Às vezes a beleza está dentro do poder de sedução, mas a beleza sem sedução não tem graça nenhuma. O que seria maior do que o poder de sedução? Seduzir não quer dizer só sexualmente, é trazer alguém para uma conversa, vivenciar alguma coisa com outra pessoa, pode ser um jantar, pode ser comer amendoim, pode ser qualquer coisa, desde que você esteja sendo levado pela graça. Para mim, o humor está muito ligado ao poder de sedução. O poder de sedução engloba tudo: humor, amor. O humor, para mim, é uma das coisas mais sedutoras que existe. Quem me pega pelo humor me terá para o resto da vida. Humor, amor, arte, intelecto, toque. Olha, mas eu não gosto muito da palavra poder. Eu tiraria o poder e deixaria só a sedução. A sedução, mesmo que inconsciente, é o que nos move; nos move para sairmos de nós mesmos, para irmos a outros lugares e conhecermos outras coisas, termos curiosidade. A sedução está um pouco ligada à curiosidade também, porque quando nos deixamos seduzir, estamos curiosos para saber o que há para ser mostrado. A curiosidade é a maior qualidade que um ser humano pode ter.

Qual é o papel do homem em sua vida?
Venho de uma família de mulheres fortes e tive um pai também muito interessante, forte, um grande médico, cientista. Gosto muito de conviver com homens. Tive irmãs, mas também tive um primo da minha idade de bastante convívio. O homem tem um lado lúdico, uma coisa meio objetiva. Nós, mulheres, temos um “caldo”, que é interessantíssimo também; mas, eu, pelo menos, demoro às vezes para falar exatamente o que quero, e vejo que os homens vão direto ao ponto. Acho interessante. Gosto dessa alteridade. Acho importante que ela exista. E não só entre homem e mulher, mas entre todos os gêneros. Gosto de conviver com o diferente, me ensina, me estimula, me atrai.

Para essa nova geração de atrizes, quais são as principais diferenças entre fazer televisão hoje? No teatro também há diferenças?
Não tem tanta diferença. Quando comecei — a primeira peça que fiz como profissional foi no fim de 1979 —, os atores queriam muito fazer televisão, queriam ser famosos, assim como hoje. Não vejo tanta diferença. Não existe uma diferença geracional, há diferença entre as pessoas, que na minha época também tinha. Havia quem queria ser famoso só por ser famoso, assim como quem queria ser famoso porque gostaria que o trabalho dela fosse reconhecido, então estudavam muito, se aplicavam muito. Hoje é a mesma coisa. Quando trabalho com pessoas mais jovens, encontro aquelas que são fissuradas pela produção, como eu sou, e que estudam, querem dar o melhor de si; e existem pessoas que já estão mais passeando, querem ser famosas sem fazer muito esforço. Talvez se pegarmos uma geração anterior, quando o teatro era muito mais forte — porque, na minha geração, já começou a ficar mais difícil viver de teatro. Gerações mais velhas — como a da Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg e Eva Wilma —, viviam de teatro, faziam empréstimos no banco, produziam a peça, ganhavam dinheiro e pagavam os empréstimos. Na minha época isso começou a ser inviável. Então, se tornar famoso começou a ser também uma maneira de sobreviver.

E hoje com a internet?
Não gosto muito desse discurso saudosista, de que já foi melhor, que os atores eram mais sérios. Em todos os momentos houve pessoas muito mais sérias, focadas e ambiciosas, com ambição artística mesmo; e outras menos, apenas com ambição de fama.

Estamos vivendo uma crise de inteligência aguda?
Precisamos ler, né? As redes sociais prejudicam nosso foco, que está ficando fragmentado, não tem jeito. Precisamos ler para nos informar, para desenvolver a inteligência também, para desenvolver até opinião própria, algo original. Precisamos buscar saber quem somos através dos livros, de conversas com pessoas mais experientes. Não sei dizer se as redes sociais estão tirando esse lugar, mas essa fragmentação, devido às informações curtas, realmente acho que é um dano — além de ser um dano em nosso poder de concentração, é um dano em nosso poder de interesse.

Ponto importante: poder de interesse.
Precisamos buscar novos horizontes através da literatura, da poesia, do cinema, de outras artes. Tenho um pouco de receio dessa sensação de gado. Essa sensação de pensamento em massa que as redes sociais às vezes me dão. É aquilo que o Nelson [Rodrigues] falava, que toda unanimidade é burra. Não acredito em nada do que leio na internet. Nem sobre os outros, nem sobre mim. As redes sociais têm um lado bom, mas temos que tomar cuidado para não nos transformarmos na própria ferramenta. Temos que usar as redes sociais e não sermos usados por elas. Essa é a transgressão de que você falou antes.

As redes sociais ficcionaram a vida real dos atores famosos ou os aproximaram de seu público?
Tudo é um pouco ficção, não tem como. Estamos sempre contando uma história, e quem conta uma história está fazendo — mesmo que seja sobre si mesmo — uma interpretação dessa história. Por que escolhi contar que estou numa varanda vendo o mar e não que estou passando por um buraco cheio de lixo? Particularmente, não gosto de baixo-astral. Então, não gosto de postar o que despotencializa as pessoas, a não ser que eu me sinta compelida a participar de algum movimento. As redes sociais são uma grande ficção. Às vezes, as pessoas postam verdades. Complexo.

Qual é o seu maior privilégio?
Sou tão privilegiada! O meu maior privilégio é a minha vocação para a alegria.

***

Acompanhe as novidades da FAUSTO pelo Instagram!

Conheça também meu primeiro romance, NANA, um elegantíssimo convite ao autoconhecimento e à autorreflexão.

Disponível na Amazon!

NANA livro

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.