Michael Löwy: “Nada é mais triste do que um amor racional”

Você se considera um autêntico romântico? Antes de responder afirmativamente, tenha em mente que, sendo um, você é capaz de abrir mão de tudo em nome de sua “autenticidade”: emprego de alto salário, posição social que o define como bem-sucedido e talvez até o casamento aparentemente feliz, caso a pessoa que faça o seu coração bater mais forte não seja o seu cônjuge. Da “tribo” que viveu predominantemente entre os séculos XVIII e XIX, os poucos que vivem entre nós – como acredita parte dos estudiosos do movimento – continuam avessos à modernidade e na maior parte do tempo estão mergulhados na melancolia. Nascidos românticos – porque não é uma condição que se escolha – ainda buscam o elo perdido e debatem-se nos abismos em si mesmos. Michael Löwy, um dos maiores especialistas em Romantismo no mundo, autor de Revolta e Melancolia, livro essencial para compreender o tema, é sociólogo, diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique, de Paris, e com exclusividade conversa com a FAUSTO sobre amor e mercado e como os românticos sobrevivem na Era Digital.

Michael Löwy
Michael Löwy.

FAUSTO – Mercado e amor: tratamos hoje nossas relações afetivas como relações profissionais? Esperamos do outro alto desempenho, cumprimento de metas, igualdade de direitos e deveres e mandamos às favas a espontaneidade?
Michael Löwy: Os românticos – que formam uma tribo que aparece lá pelo século XVIII, mas que em minha opinião continua até hoje – são pessoas que eram muito infelizes com o fato de que as relações afetivas, as relações eróticas, esse tipo de vínculo íntimo entre os seres humanos, acabaram se transformando em um contrato. São as relações formalizadas, relações em que desaparece o essencial, o vínculo erótico efetivo, que é justamente essa espontaneidade. Os românticos se revoltam contra tudo que é medido, calculado, pesado, levado ao mercado para ser vendido pelo seu justo preço. Desaparece então o que é qualitativo: o bem, o mal, o amor, o ódio. Enfim, tudo que tem a ver com qualidades humanas, sejam negativas ou positivas. Tudo foi dissolvido no ácido da quantificação, em particular a quantificação das relações amorosas e eróticas.

Como os românticos protestavam?
Os românticos começaram a protestar através de seus poemas, romances, de suas pinturas e filmes e dos seus tratados filosóficos e teológicos. É toda uma gama de diversidade desse protesto cultural contra uma característica muito importante da modernidade, segundo o sociólogo Max Weber, que é o “desencantamento do mundo”. O que dá encantamento ao mundo é essa espontaneidade amorosa, erótica, que escapa de qualquer cálculo, que traz algo mágico. Nada é mais triste do que um amor racional. Essa não racionalidade, que não quer dizer irracionalidade, é muito cara aos românticos.

É tênue a linha entre a subjetividade e o narcisismo?
São duas coisas diferentes. Uma das formas que o Romantismo pode tomar é o culto de si mesmo, a auto adoração, o amor louco por si mesmo, mas não é a única forma. O amor se dirige ao outro. Se você está possuído pela relação com o outro, você está fora do narcisismo. O Romantismo, ao mesmo tempo em que ele valoriza o indivíduo, ele valoriza as relações humanas autênticas, as que têm forte dimensão do investimento emocional, que não são apenas as eróticas, mas as de amizade também.

O que fere mais uma alma romântica: o politicamente correto ou as lojas virtuais de aplicativos para celular?
O que incomoda os românticos é essa mercantilização geral da vida, das relações, do consumo, do gosto. Tudo o que faz com que o mercado tome posse da vida do indivíduo: comportamento, desejos, aspirações, tudo o que é voltado ao consumo, virtual ou não. Isso provoca uma rejeição dos românticos. Sobre o politicamente correto, os românticos resistem a tudo o que é regulamentação, tudo o que é controle. Regras, quaisquer que elas sejam. Seria o “culto da espontaneidade”. Efetivamente, não seriam apenas as regras do politicamente correto, mas as regras em geral. Pode ser da moral tradicional ou da moral religiosa. Mas o que incomoda mais é o processo de mercantilização, de reificação, de coisificação. Tudo vira coisa. O objeto é que determina a vida. As pessoas têm paixão pelo objeto que desejam possuir e não por outro ser humano.

Hoje, um romântico só sobrevive se for medicado?
[Dá risada] A medicação pode ser uma saída para o romântico desesperado. Ele pode tomar tranquilizante ou fumar maconha. No século XIX, um grande escritor romântico, Thomas de Quincey, escreveu um livro chamado Confissões de um comedor de ópio. Esse livro fez muito barulho na época. Ele não fala a palavra romântico, mas ele era um espírito romântico, e ele fala sobre uma maneira de escapar da realidade, de encontrar o mundo dos sonhos, do encantamento. Não é exatamente uma medicação… [Dá risada], mas há uma afinidade. Pode ser uma saída. Mas não acho que o romântico só sobreviva hoje tomando antidepressivos.

Rivotril é a revolução…
Os românticos não são os únicos que tomam esse tipo de medicação. Muitos personagens racionalistas, empresários que estão tão, digamos, esmagados por suas tarefas, que acabam sendo obrigados a se medicar. A medicação é resultado da ansiedade contemporânea, que é muito generalizada, não é monopólio dos românticos.

Se a era romântica acontecesse hoje quais seriam os maiores impactos?
Defendo a tese, que é discutível, que o Romantismo não é do século XVIII, XIX. O Romantismo é um componente cultural da modernidade. Desde o século XVIII até hoje. Foi mudando, vem mudando, mas continua. Esse protesto cultural da civilização moderna em nome de valores do passado continua até hoje. E ainda encontramos manifestações presentes na literatura, na poesia, na filosofia, na música, na política. Para dar um exemplo latino-americano, pessoas que dizem que precisamos nos inspirar nas comunidades indígenas do passado, que tinham uma relação mágica, encantada e espiritual com o meio ambiente, com a natureza, as árvores, animais e tal. Claro, não podemos voltar a viver como os indígenas, mas temos algumas coisas a aprender com eles, dizem os antropólogos, ecologistas, movimentos indigenistas. É um fenômeno latino-americano que tem certo peso. Esse movimento para mim tem um caráter claramente romântico. Ele critica a modernidade sob esse ângulo eco social. Ele se inspira dessa relação mágica e encantada com a natureza dos selvagens. Não para reproduzir isso, o que é impossível, mas para encontrar uma inspiração.

Dois exemplos extremos e absurdos sobre as consequências de uma era romântica hoje: o Facebook iria à falência e viveríamos a Terceira Guerra Mundial…
[Dá risada] Sem dúvida. Guerras existem até hoje. Mas podemos conhecer guerras piores, guerras atômicas, por exemplo. O século XX foi uma época de catástrofes. Esperávamos que o século XXI não fosse assim, mas não há nenhuma garantia. Contudo, francamente, estou mais preocupado com uma catástrofe ecológica do que com a falência do Facebook. Claro, seria chato a falência do Facebook, mas… [Dá risada].

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.