Misery, a peça de teatro baseada no livro de Stephen King, acaba de estrear no TUCA — Teatro da PUC-SP — com Mel Lisboa, Marcello Airoldi e Alexandre Galindo. Um espetáculo arrepiante, e nos mais vários aspectos.
Primeiro pela arquitetura cênica, assinada por Eric Lenate. É simplesmente magnífica!
Como, num simples movimentar de um palco rotativo, tudo pode mudar? Sobretudo nossas impressões acerca dos personagens.
O trabalho é primoroso! Permite-nos entrar na pacata vida de Annie Wilkes — personagem do livro homônimo de Stephen King publicado em 1987 —, o que nos leva à segunda razão de Misery ser atração obrigatória na agenda cultural do paulistano. Sim, Mel Lisboa.
Mel Lisboa entrega tudo que o terror psicológico pede: bondade, graciosidade, ingenuidade, doçura; todos os traços da personagem, aparentemente; porque vamos sendo enganados da mesma forma que o personagem Paul Sheldon.
Paul Sheldon, que ganha vida através de Marcello Airoldi, é um escritor de uma série de romances cuja protagonista é Misery Chastain, por quem Annie Wilkes nutre verdadeira obsessão. Annie salva Paul de um acidente — ou o provoca? — e esse é o ponto de partida da história de suspense.
Ficção da ficção.
Ou não tão ficção assim.
Stephen King usou de elementos autobiográficos para compor o enredo do livro Misery e abriu uma reflexão acerca da relação dos fãs com suas celebridades prediletas ou personalidades notáveis — que se tratam de duas posições diferentes —, se não em 1987; hoje, certamente.
O espetáculo Misery é a harmonização do prazer e das realidades.
A peça aborda a vida que se vive apenas na ficção e a vida real que pode ficar de lado, por inúmeras razões, e a ficção acaba assumindo um papel vital, de diversão ou de alívio do tédio.
Neste caso, não se trata da diversão banal, mas o divertissement de Pascal. O movimento para aplacar o vazio existencial e, assim, alcançar a felicidade.
Aqui em FAUSTO é como nosso slogan: a busca infinita por sentido.
Contudo, Misery não tem essa intenção de gerar reflexões filosóficas, embora nada impeça, pois cá estamos.
A peça é utilíssima como diversão — banal ou substancial —, fuga leve e virtuosa, porque domina todos os elementos do teatro.
Misery tem cenários que nuançam nossas emoções; figurinos que ajudam a perceber o tempo cronológico narrativo; maquiagem magnífica, que deixam nítidas as mudanças físicas de Paul; sonoplastia que potencializa o desenrolar da história; além de uma iluminação impecável — a cena do… que pesadelo!
Quando a sala e a cozinha de Annie Wilkes aparecem, nossas emoções resgatam memórias afetivas à revelia, mesmo estando nós diante de um drama, porque tememos por Paul.
Tememos por Paul e sentimos uma empatia estranha por Annie. O vestido antigo que ela usa para jantar com Paul despertou-me sinceríssimo compadecimento. Toda mulher se sente aquém quando se veste para um homem.
Em outro aspecto, como o xerife interpretado por Alexandre Galindo se acomodou em mim como uma emoção lúdica. Misery é completo na provocação das sensações.
Cada um dos objetos em cena, tudo é meticulosamente harmonioso. O telefone vermelho — eu que tenho uma relação espiritual com objetos —, pensei em roubá-lo.
É assim mesmo: a ficção nos põe em posições que não poderíamos ocupar de outra forma — e que magnífico é poder tirar tantos pesos morais dos ombros quando devaneamos com as histórias que lemos e assistimos…
Isso é o teatro: lugar dos adereços que nunca estão por acaso onde estão.
Como nossas vidas e nossas obsessões: nunca são como são sem razão.
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