O Figurante: Mateus Solano estreia primeiro monólogo

O Figurante ganhou destaque no cenário teatral sobretudo pelo carisma de Mateus Solano, um dos atores mais reconhecidos de sua geração.

Em seu primeiro monólogo, o ator vive Augusto, um figurante de televisão que tem uma rotina nada glamorosa; ao contrário, ela expõe as dificuldades da profissão, colocando em evidência o trabalho intenso para se conquistar um lugar ao Sol.

A veia tragicômica de Solano rende grandes momentos de interação com o público, de modo que ninguém sai do teatro Renaissance sem rir do drama do personagem, talvez por puro espelhamento. Afinal, quem nunca se sentiu invisível e teve que “florear” sua profissão para parecer mais importante?

Com dramaturgia de Isabel Teixeira, do próprio Solano e de Miguel Thiré, o espetáculo conta com direção do Thiré e direção de movimento de Toni Rodrigues. Inclusive, um dos destaques.

De forma leve, Augusto nos leva a pensar em nossa própria existência, se a vivemos em conformidade com quem somos.

Buscar nossa própria essência é um processo profundo, muitas vezes doloroso, mas que não deixa de ser transformador. Olhar para dentro de nós mesmos, confrontando nossos medos e nossas inseguranças, nos leva a explorar nossos verdadeiros desejos e valores.

Será que desempenhamos papéis de protagonistas ou de figurantes, ou ambos, alternadamente? Ou, questão ainda mais profunda, é possível ter controle sobre a própria vida a ponto de não precisarmos renunciar quem somos?

O Figurante nos convida a refletir sobre esse eu, talvez, escondido, além das expectativas que colocamos em nós mesmos, que normalmente vêm de uma demanda externa.

Em sua rotina, Augusto se depara com as frustrações típicas de quem não é enxergado. Ao mesmo tempo, mantém-se firme numa autoimagem da qual não pretende abrir mão.

Será que nossas tarefas estão alinhadas com nosso propósito, possibilitando que nossas ações e decisões reflitam nossa verdadeira identidade?

Se a resposta for “sim”, temos a certeza de uma vida mais significativa, e isso em nada quer dizer ser mais “fácil”.

Ao menos faz valer as horas dentro de um transporte público lotado, e, talvez, as tantas horas do dia em que, desempenhando tarefas nas quais não somos vistos, basta que nos sintamos atuantes, úteis, parte de algo verdadeiro.

Ser invisível num mundo autocentrado é uma experiência dolorosa. Em meio a vozes que se sobressaem, quem batalha para ser ouvido muitas vezes se sente relegado ao silêncio.

Sem falar na superficialidade das interações somada com a busca incessante por validação, somos todos figurantes solitários e desamparados.

Autoimagem é um preço caro. Construída, muitas vezes, a partir de experiências traumatizantes, além das opiniões externas, ou de nossas próprias crenças, ela molda nossa autoestima e determina a forma como interagimos com o mundo.

O que Augusto nos apresenta, a princípio, é uma autoimagem positiva, que o impulsiona na confiança da conquista de bons papéis. Ele é resiliente, exercendo meticulosamente sua rotina.

Enquanto o espetáculo se desenrolava e o teatro vinha a baixo em risadas, pensei se podemos ter autocompaixão sem autoconhecimento?

Qual é o ponto de partida para uma vida minimamente verdadeira?

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.