“O Papel de Parede Amarelo e EU” encena o esplêndido conto de Charlotte Perkins Gilman

O Papel de Parede Amarelo é um conto de Charlotte Perkins Gilman — esplendidamente bem escrito —, que narra a deterioração mental de uma mulher confinada numa casa de veraneio, cujo quarto é decorado com um papel de parede, para ela, aterrorizante.

Gabriela Duarte leva ao palco do Teatro Estúdio, em São Paulo, O Papel de Parede Amarelo e EU, uma adaptação para o teatro do clássico publicado pela primeira vez em 1892, na revista americana The New England Magazine.

Considerado um marco da literatura feminista, o texto nos conduz, envolventemente, numa reflexão acerca da condição da mulher na sociedade do seu tempo, em pormenores como a saúde mental, a consideração de suas próprias opiniões — e intuições.

Sabe-se que séculos atrás todas as decisões eram tomadas pelos “homens da casa” — no caso da personagem, pelo marido, médico; com o apoio do irmão, também médico.

A sofisticação do texto é tamanha que Charlotte Perkins Gilman levanta todas essas questões numa história simples, envolvendo um objeto igualmente simples: um papel de parede.

Isso é fazer literatura!

Esse conto é daqueles que ansiamos pelo final. Aliás, essa é a característica primordial do conto: fazer com que o leitor anseie o final. Meta dificílima para quem escreve.

Li o conto antes de assistir à peça — cuja concepção e direção são de Alessandra Maestrini e Denise Stoklos.

Gabriela Duarte encena o fluxo de pensamentos da personagem, com um trabalho corporal realizado por Luís Louis e Airen Wormhoudt.

A personagem, impedida de realizar qualquer tipo de tarefa, trancada em seu quarto de gosto duvidoso, passa a enxergar outras mulheres aprisionadas nas camadas do padrão do desenho do papel de parede, que muda conforme a luz.

Haja luz!

Um dos pontos altos de O Papel de Parede Amarelo e EU é o desenho de luz, assinado por César Pivetti, e a cenografia de Márcia Moon. No desenrolar dos 70 minutos, vamos sentindo a sensação de sufocamento da personagem, não apenas pela quantidade de papel amarelo que vai tomando conta do espaço delineado por uma tela de arame galvanizado, mas pelo fluxo de pensamentos em ebulição, que mescla revolta, culpa e delírio.

O texto original é pouco alterado; os adicionais, que remetem ao nosso tempo, tem assinatura de Alessandra Maestrini.

A experiência é mais intensa quando se conhece o texto, pelo brilhantismo da escrita de Charlotte, pelo vanguardismo de, em sua era, ter escrito a respeito da valorização da mulher e da condição feminina, enfileirando sua criação ao endosso do movimento feminista.

Um bom texto é aquele que nos oferece um envolvente modo de ler o mundo e a nós mesmos.

Assim é O Papel de Parede Amarelo e EU.

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.