Ricardo Sondermann: “Não vivemos tempos sombrios, mas o horizonte é sombrio”

De repente, só se fala nele: Winston Churchill. Seja pelo filme O destino de uma nação, ou pelo momento político em que vive todo o Ocidente, o líder inglês voltou às pautas dos grandes veículos e não só: voltou a ser destaque nas prateleiras das livrarias. Prova é o lançamento Churchill e a Ciência por trás dos discursos – Como palavras se transformam em armas. O autor, Ricardo Sondermann, realizou um mestrado sobre doze dos principais discursos de Churchill, análise que agora está à disposição do público geral. Formado em administração de empresas e especialista em marketing, ambos pela UFRGS, Sondermann é mestre em comunicação pela PUCRS, além de professor de relações internacionais na ESPM-SUL. Sobre a importância de Winston Churchill, hoje e no passado, conversa com a FAUSTO com exclusividade. Confira!

Ricardo Sondermann
Ricardo Sondermann, autor de “Churchill e a ciência por trás dos discursos”

FAUSTO – Hoje suportaríamos um líder tão humano como Winston Churchill, considerando o peso que os “protestos” politicamente corretos têm?
Ricardo Sondermann:
Bem, excelente e difícil pergunta, mas vamos lá! Entendo que o adjetivo “humano” para a persona de Churchill é um subproduto de sua obra e de suas conquistas. Nem sempre suas posições eram claras ou corretas. Se analisarmos do ponto de vista atual, ele provavelmente estaria irreversivelmente “queimado”. Por isso é importante avaliar suas posições dentro do contexto histórico.

Por exemplo?
Ele era contra a participação das mulheres como membros eleitos no parlamento inglês, embora tenha lutado para que tivessem o direito ao voto. Suas colocações sobre a Índia, e outras nações, eram carregadas de comparações raciais, hoje inadmissíveis, mas compreensíveis no universo pós-colonial e vitoriano da primeira metade do século XIX. Por isso entendo que o termo “humano” esteja atrelado à sua condição de ser uma pessoa como outra qualquer, com virtudes e defeitos, e ainda colocada numa posição extremamente delicada por conta do momento histórico da Segunda Guerra. Ou seja, dizer que Churchill era um homem “normal, como outro qualquer” está ligado à condição humana na qual todos fomos dotados. Entretanto, por conta de seu caráter, personalidade e visão sistêmica, ele foi o homem certo na hora certa.

E hoje temos esse cenário politicamente correto que não havia em seu tempo…
Acredito que o problema atual é que o julgamento de uma pessoa não se dá mais pelos fatos, ou pelo balanço equilibrado do que se fez, mas sim pelas reações midiáticas ligadas a interesses específicos. Exemplo disso é que entre os governos de Clinton até Obama, todos os presidentes americanos discursaram a favor da transferência da embaixada americana em Israel de Tel Aviv para Jesusalém. Mas o monstro se chama Donald Trump. O ex-presidente Lula, de acordo com seus seguidores, não pode ser condenado em que pese todas as provas, mas todo e qualquer outro político que for denunciado é digno de processo e cadeia. O politicamente correto, que surgiu como uma forma de respeito às minorias, transformou-se numa agenda de destruição de reputações em um jogo de forças dialéticas.

Quando nos referimos a “protestos”, e não de fato a um “pensamento correto”, queremos dizer sobre o poder da imagem. É importante, hoje, parecer uma pessoa o mais próximo possível da perfeição. Churchill com Facebook, Instagram e Twitter teria sido diferente de Obama?
Insisto novamente em ressaltar o contexto. Se tirarmos Churchill da primeira metade do século XX e o colocarmos nesta primeira década do século XXI, sem nenhum tipo de adaptação, provavelmente já estaria destruído. Este é um ponto que discuto no livro que é justamente a falta de líderes com princípios éticos e morais firmes, e penso que isso se deve ao fato de que a liderança é realizada com olho nos eleitores, no parlamento, na imprensa e em diversos outros lugares, longe da agenda de trabalho propriamente. Os líderes do século XXI trabalham para variados grupos, sejam econômicos, políticos, midiáticos e em suas agendas pessoais. A nação, seus problemas e seu futuro, estão em segundo plano. No geral, as administrações publicas estão voltadas para o governo e não para o Estado. O caso de Trump é emblemático, em que pese eu não seja um fã dele e ele esteja bem longe de ser um Churchill.

Alguém, hoje, se aproxima de Churchill?
Hoje, não vejo ninguém e no passado recente, poderia citar Ronald Reagan e, especialmente, lady Margaret Thatcher. Foram figuras de visão de largo prazo e ultrapassaram dificuldades fantásticas no curto prazo para construírem nações mais fortes. Tanto é assim que quando Thatcher falou sobre o Brasil disse: “O Brasil é o país do futuro, mas para tanto é preciso decidir que o ‘futuro’ é amanhã. E, como bem sabem, isto significa que as decisões difíceis têm que ser tomadas hoje”. Que político hoje tem a coragem para decisões difíceis e impopulares?

É possível comparar Obama e Churchill? Ainda que em termos de figura mítica…
Sempre é possível compará-los, mas o resultado será desfavorável para Barack Obama, como não poderia deixar de ser. Obama construiu uma imagem simpática, de uma pessoa bem-humorada, moderna e foi o primeiro presidente negro de uma nação desenvolvida. Entretanto, em seus feitos Obama autorizou a maior rede de espionagem já vista através das redes sociais, ampliou o gasto, o tamanho do Estado e a burocracia a níveis nunca vistos desde a Segunda Guerra Mundial, cresceu os gastos militares, produziu um déficit anual de 10% do PIB. Em seu governo o índice de proprietários de imóveis caiu para taxas de 1965 e 47% dos americanos dependiam de algum tipo de ajuda do governo para viver. Devemos levar em conta que Churchill lutava uma guerra mundial e Obama, bem, pelo o que exatamente ele lutava?

Qual sua opinião sobre Obama?
Para mim, Obama está mais para Chamberlain do que para Churchill. Sob a égide de construir a paz, o ex-presidente americano produziu um acordo para armas nucleares com o Irã extremamente dispendioso e que permite a um governo financiador do terrorismo em escala mundial colocar-se mais próximo da possibilidade de construir bombas nucleares. Sob seu governo, sabe-se agora, houve uma flexibilidade no combate ao terrorismo e às drogas, permitindo o surgimento do ISIS na Síria e Iraque. Barack Obama permitiu que o radicalismo islâmico ganhasse território e meios econômicos para sua sustentação. Em suma, utilizou-se da mesma politica fracassada de apaziguamento utilizada pela Inglaterra e pela França antes de Churchill.

Na mesma medida em que desejamos um líder humano, temos medo do lado obscuro de nossa humanidade? O medo de parecer fraco, as dúvidas que sentimos e fazemos de tudo para não mostrar, a necessidade de esconder ao máximo as emoções e, claro, o aniquilamento da espontaneidade em nome dos protocolos. Tudo isso vemos em Churchill, não?
Sabemos isso hoje, depois de milhares de páginas escritas sobre ele. Hoje, conhecemos o teor das discussões intramuros no gabinete de guerra, no parlamento, nas conferências entre os três grandes: Churchill, Stalin e Roosevelt, entre tantos outros e incontáveis momentos. Construímos essa persona baseado-nos nas informações divulgadas, tanto positivas como negativas. Todo líder tem suas dúvidas, temores e sofre nos momentos de solidão onde só ele pode decidir. Penso que é inerente a todos os processos decisórios, políticos ou corporativos, desde os faraós até hoje. A liderança é exercida através de demonstrações de poder. Poderá ser pela força ou pelo terror, como nos impérios antigos ou nas ditaduras modernas; ou pela simpatia e inteligência, como nas democracias ou em corporações high-tech. Seja como for, seguimos nossos bons líderes pela inspiração e pela recompensa de praticar a boa luta, de construir ambientes positivos e livres. Se o líder é titubeante, indeciso ou pouco inspirador, nossa capacidade de segui-lo será proporcional. A lição que Churchill nos deixa, agora sabedores de como era seu processo decisório e sua forma de pensar, é que ele era uma pessoa de carne e osso, virtudes e falhas, como cada um de nós, porém dotado de grandeza e magnanimidade. Talvez, agindo assim, poderemos obter melhores resultados nas decisões e ações que empreendemos. Para mim, este é o principal ensinamento de Winston Churchill.

O ocidente precisa urgentemente de um Churchill?
Sim, urgentemente. Em meu livro, abordo no capítulo “Churchill e o Século XXI” três problemas que afetam o mundo de hoje e que um líder como Churchill, com sua visão, poderia enfrentar. São eles: o radicalismo islâmico que está destruindo a Europa desde suas entranhas, a transmutação das lutas das minorias por sua aceitação para uma atitude proselitista e a falta de líderes éticos e com visão oportunizando vácuos de poder extremamente perigosos para a ascensão de lideranças autoritárias. Essas ameaças, que considero reais e atuantes, exigem a firmeza e a liderança de um Churchill.

Acredita que conheceremos outro ou vivemos um tempo sombrio e falta esperança?
Não vivemos tempos sombrios, mas o horizonte é sombrio. O crescimento das populações muçulmanas dentro da Europa é uma ameaça real à sociedade ocidental e aos valores humanos e da liberdade. A esperança, porém, existe. A lição da Segunda Guerra não foi totalmente esquecida. O evento do Brexit e a recente decisão da Suíça de rever sua posição de fronteiras abertas demonstra que algumas nações começaram a se mover e perceberam esta ameaça. Politicas nesse sentido, contra a migração islâmica, já foram adotadas no Japão, Austrália, Nova Zelândia e China. Estas decisões, duras e por vezes impopulares, demonstram que por trás delas, lideres com visão e coragem estão atuando. Certa feita, em 2016, conversando com o cientista político liberal Yaron Brook sobre este assunto, em Porto Alegre, ele foi explícito sobre a possibilidade de uma guerra acontecer na Europa nos próximos 10 ou 15 anos. Se nada for feito, a Europa se transformará no “Europadistão”.

Churchill foi um dos primeiros a alertar sobre Hitler?
Sim, Churchill foi um dos primeiros a compreender o que estava por vir. Ao ler Mein Kampf percebeu a loucura. Ao observar o processo de destruição da República de Weimar a ascensão ao poder em 1933, Churchill percebeu o malefício gerado pelas negociações impostas à Alemanha depois dos acordos de Versalhes e os efeitos danosos na vida do povo alemão. E, a partir de 1933, com a adoção das medidas restritivas de liberdade, a perseguição aos judeus e outras minorias e o rearmamento alemão, ficou evidente, ao menos para Churchill, a intenção de Hitler de fazer uma nova guerra. A soma do orgulho alemão, compreendido e elevado por Hitler e a à promessa de um império “que duraria mil anos”, aglutinou o povo para reconquistar seu “espaço vital” e fazer uma Grande Alemanha. Não sei se Churchill foi “o” primeiro a ver isso, mas com certeza não deixou de lembrar a todos o que se desenhava no horizonte.

E que estupenda coincidência você ter feito um mestrado sobre alguns dos discursos do Churchill e o filme O destino de uma nação tratar também sobre isso. Parece que foi tudo combinado!
Bem, alguém sempre poderá dizer: “que sorte”. Sorte é quando a oportunidade passa em frente da capacidade ou do conhecimento. Fiz o mestrado em comunicação na PUC-RS entre 2011 e 2013 e sempre tive a vontade de transformá-lo em livro. No início de 2017, durante uma conversa informal com o Helio Beltrão e o Alex Catharino, que conheci neste papo, comentei sobre minha dissertação. Imediatamente o Alex me pediu o link na biblioteca da universidade e insistiu que eu fizesse o livro. Depois de ler o trabalho ele voltou a carga e comecei a pensar no projeto. Em setembro, minha filha Julia Sondermann, cineasta, comentou que o filme de Churchill seria lançado em janeiro de 2018. Sabedores desta informação, Helio e Alex me convocaram, definindo o projeto e os prazos. E se tem uma coisa que alemão adora, e eu sou um judeu alemão, é cumprir prazos. Foi uma deliciosa corrida contra o tempo e em cerca de 30 dias mergulhei totalmente no projeto, tirando o “academiquês”, acrescentando novos capítulos, análises e conteúdos. Contei com a inestimável ajuda de minha irmã, a jornalista Susana Sondermann Espíndola na revisão de todo texto, cerca de 450 páginas. E bem, o filme passa por dois discursos e no meu livro o leitor poderá se deliciar com 12 discursos! Todos contextualizados e analisados dentro de um esquema que desenvolvi especialmente.

Quais são os principais elementos em comum nos discursos que analisou?
Penso que os elementos principais de ligação entre todos os discursos seriam a luta intransigente pela liberdade, a não aceitação da derrota e a visão clara sobre as ameaças que representavam o inimigo. Visão, obstinação, resiliência e liderança inspiradora foram a tinta e as palavras foram as armas. No livro analiso como os discursos de Churchill conseguiram mobilizar os ingleses e o mundo para manter a esperança na liberdade, lutando contra a maior ameaça que a sociedade ocidental já havia enfrentado. E sem jamais pensar em render-se. Never surrender.

 

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.

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