Uma musicalidade desconcertante

A última vez em que vi Edgard Scandurra tocar guitarra não foi num show dele nem do Ira! Edgard se apresentava como convidado da cantora Katia B no Auditório Ibirapuera – e, mais uma vez, sua performance não decepcionou em nada.

Da escolha do timbre ao tipo de escala pouco convencional que usou nos solos, fez sua guitarra soar quase como uma orquestra acoplada à banda. O som vinha em camadas, organicamente encaixado nas harmonias sofisticadas daquela canção especialmente evocativa. Meu sentimento ali foi o mesmo de outras tantas vezes em que vi Edgard Scandurra tocar ao vivo: ele tem uma musicalidade desconcertante, algo difícil de colocar em palavras.

Edgard Scandurra.

Puxando pela memória, tentei lembrar quando foi a primeira vez que tive aquela sensação. Não demorou para que eu relembrasse em detalhes o impacto da primeira vez (dizem que a gente nunca esquece).

Foi em 1984, na “Fábrica do Som”, programa da TV Cultura gravado no teatro do Sesc Pompéia e apresentado por Tadeu Jungle. Edgard já tocava no Ira, ainda sem exclamação, mas também em outras bandas (era ele o baterista de As Mercenárias).

Naquela noite de que me lembro, ele subiu ao palco como guitarrista do Ultraje a Rigor, banda com a qual gravaria o primeiro compacto simples (de um lado “Inútil” e do outro “Mim quer tocar”), antes de ser substituído na formação pelo então jovem e talentoso Carlos Castello Branco.

Ainda era tudo muito precário no rock brasileiro. Os instrumentos e equipamentos eram ruins, as bandas tinham um quê de amadorismo e não se sabia o que era “produção” – mas Edgard Scandurra já de destacava como um músico muito acima da média. Ele estava ali para escrever parte da história de uma geração – e sua guitarra seria o maior símbolo da música daquela época. O melhor é que Edgard não se prendeu aos solos sempre executados com a destreza que parece ser típica dos guitarristas canhotos. Ele ousou explorar outras sonoridades, flertando com a música eletrônica em seu projeto paralelo ao Ira!, Benzina.

Passados quase 30 anos desde a primeira noite em que o vi tocar, o som que ele consegue extrair de seu instrumento continua surpreendendo. Na minha modesta opinião, talvez apenas um guitarrista brasileiro tenha sido capaz de combinar técnica e sensibilidade de forma tão eloquente. Seu nome é Lanny Gordon. Mas essa é outra história, e a de Edgard Scandurra com certeza é muito mais interessante do que as lembranças que eu possa ter dele – como fica claro nesta entrevista concedida à Eliana de Castro.

Celso Masson, 50 anos, foi crítico de música das revistas BIZZ, Qualis e Veja. Atualmente é editor de cultura da Isto É.

 

Celso Masson Escrito por:

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