Vladimir Netto: “Nem o roteirista mais criativo criaria um personagem como Eduardo Cunha”

Dia 1º de janeiro de 2015 e uma página em branco na tela do computador. Foi este o dia em que o jornalista Vladimir Netto decidiu escrever um livro sobre a Operação Lava Jato. Depois de 17 meses mergulhado em processos, entrevistas exclusivas e um emaranhado assombroso de informações, o livro Lava Jato — O Juiz Sergio Moro e os Bastidores da Operação Que Abalou o Brasil foi finalizado e hoje figura na lista dos mais vendidos no Brasil. Nunca antes na história do país uma operação de combate à corrupção chamou tanto a atenção e, sim, foi tão longe. Em meio a críticas de partidarismo e abuso de poder, Sérgio Moro permanece na linha de frente e cada vez mais nomes antes vistos como blindados estampam manchetes que sentenciam prisões. Se a Lava Jato daria uma série tão eletrizante como House of Cards e se os mais inclassificáveis personagens como Eduardo Cunha, Alberto Youssef ou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terão o fim mais justo, quem sabe? Da ficção para a vida real, Vladimir Netto conta com exclusividade para a FAUSTO as suas impressões. Confira!

vladimir-netto-entrevista-fausto
Vladimir Netto. Foto: Gil Ferreira.

FAUSTO – É comum ouvirmos que a Lava Jato supera em muito “House of Cards” em termos de “roteiro”. Quem você elegeria “o personagem”, aquele que nem o roteirista mais criativo seria capaz de compor – ou só o roteirista mais criativo seria capaz de compor?
Vladimir Netto: Eduardo Cunha. Mas ele consegue ser mais sofisticado que o personagem da série. Ele tem estratégias mais elaboradas. Nem o roteirista mais criativo criaria um personagem com tanta inteligência e capacidade de articulação.

Desde quando começou as apurações para escrever o livro até a publicação, se viu surpreendido com a participação de alguém em especial?
Foram 17 meses… A participação do japonês cresceu durante o livro. Quando comecei a entrevistá-lo, ele não era conhecido nacionalmente. No decorrer da operação, ele passou de um agente a boneco de Olinda e até máscara e machinha de carnaval! O japonês ganhou uma notoriedade que eu não esperava. Na verdade, ninguém dentro da Lava Jato esperava por isso, nem mesmo ele! O mais curioso foi o desfecho inesperado que ele teve: era um símbolo da luta contra a corrupção e depois foi condenado e preso por conta de suas facilitações ao contrabando.

Até que ponto escrever um livro como este implica ser cínico, no sentido de desprover-se de qualquer crença de que há boa intenção nas ações humanas, principalmente no cenário político?
Antes da Lava Jato, confesso que eu tinha certa descrença nas relações humanas, eu estava muito cético. A operação acabou me dando esperança, uma oportunidade de alcançarmos um caminho melhor.

Quando Sergio Moro se torna um herói nacional não deflagra dois outros grandes problemas? Que a Justiça se tornou tão corruptível que não representa confiança e que precisamos de alguém que cuide de nós?
Acho que não. Na verdade, sempre soubemos que existiam juízes ruins e bons. Não é apenas o Moro que é correto no Brasil. Posso citar, por exemplo, o juiz Marlon Reis, que defende a lei da “Ficha Limpa”. Não acho que a figura do Moro mostrou que a Justiça se tornou tão corruptível que não representa confiança. Ele provou que é possível fazer um combate mais eficaz e que há outros juízes bem-intencionados. Precisávamos de algum tipo de esperança. O povo estava desencantado, cansado de ver impunidades. O fato do juiz Sérgio Moro ter virado um herói é mais um reflexo da desesperança dos brasileiros. Era preciso ter alguém em quem acreditar e confiar que era possível dar fim a essa corrupção.

Qual seria o pior final para a Lava Jato?
Seria a anulação da operação ou o seu enfraquecimento por pressões externas.

Você vê fundamento na acusação da esquerda de que a Lava Jato é uma operação partidária e não de combate à corrupção?
Não. A Lava Jato já mostrou ao longo de sua trajetória que atingiu diferentes partidos.

A Lava Jato surpreenderá a esquerda se…?
Lava Jato surpreenderá não só a esquerda, mas a direita e demais posicionamentos políticos se ela continuar avançando.
***

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.