Como as democracias morrem chegou às livrarias na hora certa. No Brasil, figura em várias listas do mais vendidos. Claro, não sem razão. Se vez ou outra você também se pergunta como chegamos a esse ponto, e vem observando com certa apreensão a ascensão de regimes autoritários em vários países do mundo, Steven Levitsky tem algumas respostas. Cientista político, professor em Harvard, além de um observador atento do que acontece por aqui, em nossa república cada dia mais esquisita – para manter a elegância –, Levitsky também é referência nos estudos de autoritarismo e democratização. Um dos autores desse best-seller urgente conversa com a FAUSTO com exclusividade.
FAUSTO – Em determinado episódio de House of Cards, Frank Underwood, com sua ironia típica, solta a seguinte frase: “A democracia é tão superestimada!” Concorda com isso?
Steven Levitsky: Sim e não. É superestimada em seu sentido original, porque as pessoas esperam demais da democracia.
Por exemplo?
Que a democracia resolva todos os problemas: corrupção, injustiça, desigualdade; que faça a economia funcionar melhor. Só que a democracia não é milagrosa. Nesse sentido, sim, temos esperado demais. Posto isso, a democracia não é superestimada no sentido que Churchill estabeleceu décadas atrás.
E qual seria?
Que ainda estamos para encontrar um sistema governamental que enterre a democracia, e que nenhum outro que já houve na História permitiu que nós, cidadãos comuns – pacificamente e dentro da lei – removêssemos governos dos quais não gostamos. Não há outro sistema que garanta o direito de criticarmos, de nos juntarmos para pedir renúncias. É isso que está em pauta. E isso significa muito! Nesse sentido, não, não é superestimada.
A democracia no digital é muito diferente da democracia na vida real?
Não tenho muito que dizer sobre isso, embora seja verdade que as pessoas estejam mais envolvidas com a política nas redes sociais do que com a política real. Na verdade, as pessoas nunca estiveram envolvidas com a politica real. Agora, não é claro para mim que as redes sociais estejam afastando essas pessoas, uma vez que o número de envolvidos na política real sempre foi limitado.
As mídias sociais são superestimadas? Por exemplo, quando o nosso ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso, houve uma apreensão de que aqui, no Brasil, viveríamos uma espécie de guerra civil. Bem a verdade, os mais entusiastas dizem “Lula Livre” nas redes sociais, mas só. Isso não costuma atrapalhar o cotidiano, apenas as relações digitais.
Não, é o contrário. Creio que subestimamos as mídias sociais, principalmente nas eleições de 2018, aí. Eu estava no Brasil em julho e agosto do ano passado, pouco antes das eleições, e praticamente toda pessoa bem informada com quem conversei, do espectro, estava convencida de que, porque Alckmin tinha feito aliança com o centro, e detinha muito mais tempo de mídia comparado a Bolsonaro – no caso, mídia convencional –, Bolsonaro perderia, não passando assim para o segundo turno. Essas pessoas não estavam preocupadas com Bolsonaro porque ele não tinha tempo na mídia convencional. Acabou que ele obteve esse tempo, mas já tinha sido eleito antes, nas mídias sociais. A mesma coisa aconteceu em El Salvador. Nayib Bukele estava apenas no Facebook, mas acabou ganhando no primeiro turno, e Ricardo Núñez tinha todo o controle da mídia convencional.
Qual é o papel da imprensa na aceleração dos regimes autoritários? Principalmente quando a imprensa acredita estar defendendo a democracia.
Olha, se em algum momento eu tivesse que escolher entre aqueles que estão no poder e a imprensa, eu escolheria a imprensa; porque mesmo quando é irresponsável ou condescendente; ou mesmo quando é antagonista, ela faz um grande papel em checar e investigar os que estão no poder. Então, na maior parte do tempo, a culpa por erros, ou autoritarismos, é dos que estão no poder, e não da imprensa. Contudo, se existe um momento em que a imprensa pode contribuir com o autoritarismo é quando, com consciência de propósito, promove um líder; como ocorreu no Chile nos anos 1970. A imprensa fez isso. Agora, de fato, há muitas razões para se criticar a imprensa hoje, embora ela não tenha papel na aceleração de regimes autoritários.
Você escreve em seu livro: “O retrocesso democrático hoje começa nas urnas”. Com certeza, quem vota em candidatos autoritários não pensa estar votando no retrocesso, mas sim contra a abdicação de responsabilidades políticas. Os votos têm sido passionais. Qual tem sido o papel das emoções nesse momento histórico que estamos vivendo, em várias partes do mundo?
É verdade que os eleitores, normalmente, não votam explicitamente em autoritários. A maioria apoia a democracia. E muitas vezes, a primeira eleição de líderes autoritários, como Hugo Chávez, por exemplo, costuma ser muito democrática. Entretanto, uma parte de populismo é autoritária.
Por quê?
Porque é um populismo muitas vezes baseado na raiva, quase sempre ligado ao cenário atual, no fato de a economia estar um desastre, na corrupção, enfim. Talvez, no Brasil, seja tudo isso. Necessidades políticas levam ao voto no populista. Ou seja, os eleitores votam no populista não pelo autoritarismo, mas porque querem dar um soco no estômago da política. Só que quando eles chegam ao poder, e tentam dar esse soco, aí é que começa o problema, e é o que muitas vezes nos leva a uma crise democrática. Não são os eleitores que não ligam para a democracia, é aquele que é eleito que não liga para a democracia.
E não há um meio de convencer a todos de usar a racionalidade? Pergunta retórica.
Provavelmente não, isso traria riscos à democracia. Então, mesmo que seja uma pena que as pessoas estejam com raiva, democracia sempre, em algum nível, representa um risco. Sempre haverá o risco de um “semideus” querer primeiro ganhar o poder para depois controlá-lo. É um risco do qual a democracia nunca estará livre. Quando o eleitor vota com as emoções, ele esta buscando alguém diferente.
Em vez de segurança, saúde, educação, estamos exigindo de nossos políticos a satisfação de anseios emocionais-existenciais?
Pessoas votam por uma infinidade de motivos. Não podemos, na ciência política, acreditar que as pessoas votam por causa de determinados programas, como os de segurança, saúde, enfim. Alguns eleitores votam pela emoção, ou votam como uma maneira de expressar raiva, frustração. Outras vezes votam simplesmente para ir contra ao que está; ou votam de acordo com suas identidades, sejam elas políticas ou sociais. Nunca há somente um motivo pelo qual as pessoas votam, e as emoções estão no topo. Em tempos de tensão, votar sempre é algo complicado.
Há quem creia que Bolsonaro seja fraco para destruir nossa democracia. Em seu artigo para a Folha de S.Paulo, você refuta isso, citando o caso de Alberto Fujimori, do Peru. Estamos subestimando o perigo de Bolsonaro?
Numa democracia, esse é um risco que corremos: a qualquer momento uma figura que não está presa às instituições democráticas torna-se um risco. Em países como Equador ou Peru, onde as instituições democráticas são fracas, o risco é ainda maior. Nos Estados Unidos, é uma ameaça um pouco mais branda. Já o Brasil está em algum lugar entre esses dois extremos. Entretanto, toda vez que você elege alguém que fala ser a favor de regras militares, além de, repetidamente, fazer promessas de repreensões violentas a minorias, pode não ser o fim da democracia, mas certamente é um motivo para preocupação.
Tem acompanhado as notícias do Brasil? No começo de seu livro, você diz que o Brasil tem uma democracia sólida. Mudou de ideia?
Um pouco. O Brasil é uma democracia sólida, e está passando por um desafio extremamente difícil. Primeiramente, as pessoas estão muito descontentes com o cenário atual. A porcentagem de brasileiros satisfeitos com as instituições democráticas do país está muito baixa, e esse é o primeiro desafio público. O segundo, é a extrema polarização entre a recém-eleita direita com suas novas posições e a esquerda. E esse é o verdadeiro teste, que é muito mais difícil do que o de dois anos atrás, o que por sua vez pode tornar a democracia brasileira mais sólida. Caso o Brasil sucumba, será um problema. Isso, contudo, é algo que ainda não sabemos a resposta.
Em algum lugar do mundo o povo é unido?
Não.