Rita Lee é o papel mais espiritual de Mel Lisboa

Rita Lee é o papel mais espiritual de Mel Lisboa. 

Que tipo de crítica escreve o ficcionista?  

Certamente, um que ilumina seu próprio processo criativo de ser ficcionista. 

Sendo assim, teço uma elaboração como forma de resistência dessa dissolução da singularidade que impõe o mundo moderno com seus bordões de alta performance. 

A esmagadora maioria das pessoas é mecânica, sem segredos e mistérios. Para esse mal, há Rita Lee. 

Em Rita Lee – Uma Autobiografia Musical, baseado no livro de 2016, é fácil perceber que a entrega de Mel Lisboa vai além. 

Além-vida, além-interpretação, além-fingidor, como me disse ser em entrevista.  

Ninguém pode julgar Mel por gostar de ser Rita. Quem não gostaria de ser alguém tão original?  

Não é segredo a relação de admiração mútua  inclusive Rita exigiu que fosse Mel a vivê-la numa montagem póstuma.  

Tampouco não é difícil explicar por que os ingressos de toda a temporada se esgotaram tão rápido. Mel fez uma linda representação da artista no primeiro musical, Rita Lee Mora Ao Lado, de 2014. 

É chover no molhado escrever qualquer coisa a respeito de Rita Lee, porque tudo soa muito clichê, como a frase que abre o parágrafo; mas talvez não seja escrever sobre Rita, mas sobre o que suas canções nos remetem. 

O musical traz à lume, em fragmentos, a história da artista, tendo como roteirista Guilherme Samora.  

Além de Mel Lisboa, a montagem é feita com elenco de primeira, que personifica partes da vida de Rita que todo mundo adora saber mais, leia-se a convivência com outras lendas, como Elis Regina, Gal Costa, Raul Seixas, Ronnie Von, Hebe Camargo. 

Todos os papéis são muito bons! São os artistas: Bruno Fraga, Fabiano Augusto, Carol Portes, Débora Reis, Flávia Strongolli, Yael Pecarovich, Antônio Vanfill, Gustavo Rezê e Roquildes Junior. 

O formato descomplicado foi dado por Débora Dubois e Márcio Macena. As memórias de Rita Lee se entremeiam aos principais hits, o que é uma aposta infalível.  

A narrativa não entrega novas perspectivas, mas ninguém espera isso. Basta que tenhamos Rita, ainda que incorporada por Mel, e nos deliciemos com sua excentricidade. 

Mel Lisboa brilha em cada trejeito — e em cada trejeito de cada fase!  

Narrado em primeira pessoa, enquanto “Rita” nos conta suas aventuras e visões, suas reflexões cantadas revelam seu “espaço psicológico”.  

É quando se revelam, por exemplo, seus exóticos meandros espirituais, que se acentuam à medida que se aproxima de sua morte; o que, curiosamente, nos leva a ter menos medo da morte. A canção que escolhem é esplendida!  

Nos dias que se seguiram até agora, a ouço como uma maneira de conexão com esse não-sei-o-quê que vem depois desse viver incoerente, que talvez seja viver, só que mais levemente. 

Em retrospecto, a trajetória de Rita Lee não parece ter sido guiada por acontecimentos fiéis a uma lógica; pelo contrário. Mas é fato que Rita, como ninguém, soube tornar cada acaso uma canção, e no conjunto da obra elas fazem total sentido numa linha do tempo. 

Trata-se de um musical de personagem; porém, o primeiro plano é ocupado não pela protagonista, mas pelas canções. Todos temos uma história para contar ao som de Rita Lee. 

Ou deveríamos ter, porque ela não é anacrônica. 

Rita não se enganou ao apostar em letras sobre as singelezas da vida, tampouco nos enganou com seus versos mais graciosos acerca do amor: uma linda história a dois é possível — e amar não está fora de moda. 

É exercício de despojamento analisar suas letras. Perceber a simplicidade chega a ser um papelão, porque Rita Lee esteve o tempo todo aqui. 

Aliás, ontem, no céu, não parecia um disco voador? 
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Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.