Entre no teatro ciente deste aviso: se piscar, não ouvirá sequências importantes para compreender a profundidade do texto do escritor inglês Nicholas Wright.
Refiro-me, precisamente, ao espetáculo Sra. Klein, traduzido e adaptado por Thereza Falcão, com direção de Victor Garcia Peralta.
Magistral! Magistral!
Mais uma vez: magistral!
Esteja ciente também de que estará diante de Ana Beatriz Nogueira — que normalmente não me faz piscar, mas é predileção de um estado de alma particular, razão de ser eu noveleira.
Mas estamos falando de teatro! Não confundo, não comparo. E nessa montagem, Ana se supera. Ela é calculista, impertinente, afrontosa. Ela é Melanie Klein.
Ao seu lado, brilhantemente resignada, Kika Kalache interpreta Paula, também psicanalista, mas que aceita ser uma espécie de secretária da renomada intelectual austríaca num dia trágico de 1934.
Para completar o trio, Fernanda Vasconcellos vive a filha, Melitta.
Posso ser Melitta numa próxima montagem?
Sra. Klein já foi encenada no Brasil duas vezes — nos anos 1990, com Ana Lúcia Torre; e, em 2003, com Nathália Timberg, ambas sob direção de Eduardo Tolentino de Araújo — que hoje brilha em Tio Vânia.
Melanie Klein testou seu método psicanalítico nos dois filhos, Melitta e Hans, e o fio condutor da narrativa são as mágoas pelos estragos provocados por tais práticas, principalmente em Hans. Ou em Melitta?
Logo eu, o que escrever sobre conflitos entre mãe e filha?
Mãe de minhas sombras, agora ela só existe na literatura. Transcendeu para as artes sendo o meu truque — justo e honesto — de escândalo necessário. Ela só é um improviso veemente, por isso me identifiquei com Melitta. Ou não?
O cenário soturno e minimalista criado por Dina Salem Levy acentua a personalidade ególatra da Sra. Klein; como os figurinos sempre impecáveis assinados por Karen Brusttolin deixam claro a posição social, a integridade e, sobretudo, a autoafirmação das três mulheres.
Sra. Klein é um espetáculo para poucos, porque exige concentração, atenção aos não-ditos, disposição para o bom gosto intelectual, para a impertinência genial da protagonista, autoridade na informação. Por isso, incomoda.
A montagem exige postura de aprendiz — porque são três mulheres grandiosas em cena, as atrizes e as personagens —, e porque se trata da vida real.
Sim, diz sobre a complexidade dos laços entre mãe e filha, explicada ou não pelas mentes mais brilhantes. Diz sobre a inocência do período em que, enquanto filhas, apenas nos entregamos.
Sobretudo, diz sobre o desgaste moral de cada papel, porque a mágoa vai crescendo, vai crescendo, e explode em nossa dignidade, e nos vemos em espelhamento com o diabo. Se implode em nosso corpo, passamos a nos opor a Deus, porque não é justo. Não participamos do mundo de forma íntegra.
Não sem razão, ao fim de Sra. Klein, os aplausos em minha sessão foram assustados.
Pensei em assistir à peça novamente, porque apesar de ter sido Melitta por toda a vida, ali, curiosamente, me percebi mais como Paula, e queria saber mais sobre isso, como se fosse eu a deitar no divã da Sra. Klein.
Eu só seria mais febril, por temperamento, e porque não sou atriz.
As revelações de Melitta acerca do irmão Hans mexem com a Sra. Klein de forma reversa. E é perturbador assisti-la. Não por se tratar de uma estudiosa da mente, mas porque essa postura de egocentrismo é a mais camaleônica do mundo.
Por isso todos somos vítimas, em maior ou menor grau; do pai, da mãe, do irmão; de alguém sem rosto pelo tanto que já está no passado, só que as marcas ficam penosamente, e uma sombra espia nosso agir.
Afetados irreversivelmente, nos tornamos inquietantes, indesejáveis, afetados ou somente excelentes.
Dor frutuosa.
Sei bem.
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