Adriane Galisteu: “Sou mulher da linha de frente, definitivamente”

Ela é um ponto de vista. Resolutamente feminina. Em perspectiva, Adriane Galisteu tornou-se mulher à luz das câmeras, osmose de simplicidade e glamour; metamorfose de inocência, experiência, destemor, amor, dor, morte, parto; afirmação de autoridade de mulher, pois é sabida das nuances de todas as emoções e suas faces. Foi modelo, foi atriz, foi amada por uma nação porque fez nosso maior ídolo sorrir. É apresentadora, influenciadora, ditadora de tendências, copiada e notada aonde quer que vá. Por isso, narizes se retorcem; se contorcem, porque ninguém perdoa sucesso, beleza e determinação. Ninguém perdoa quem desperta amor. Ninguém é quem não ousa mergulhar na sensibilidade das experiências. Ela é carga de resistência para tantas que precisam se reencontrar. Então param para ouvi-la. E vê-la. E admirá-la. FAUSTO completa 8 anos de existência; como ela, um ponto de vista.

Adriane Galisteu. Foto: Bruno Fiorentino. Cabelos: Thiago Fortes.

FAUSTO — O que não se fala sobre sororidade?
Adriane Galisteu: Tenho até medo de falar essa palavra. Ela é tão mal usada, tão mal colocada, que ficamos com medo de usá-la…

Eu não a uso…
A palavra sororidade apareceu muito fortemente na pandemia; e eu acreditei que passaríamos pelo pior, mas nos tornaríamos melhores. E nesse período, fazendo entrevistas e lives com pessoas que estudam muito e compreendem o ser humano, um deles me disse que só pioraríamos. Que depois de eventos dessa magnitude, como uma pandemia e uma guerra, o ser humano fica pior. Mas eu não queria acreditar nisso. E não é que esse pensador tinha razão?

FAUSTO é uma revista que lida com temas sombrios da existência e minha natureza, naturalmente, é mais pessimista, então eu não acreditei nem por um momento que sairíamos melhores…
É muito triste termos que constatar isso, mas é uma verdade. Nesse caso, é lindo discursar sobre a união das mulheres, é lindo falar sobre sororidade, mas na prática apenas a hashtag funciona.

E é curioso que apenas com mulheres fortes é possível abordar esse lado da sororidade, senão melindra…
Temos que estar atentas o tempo inteiro e prontas para combater os dedos apontados. Temos de estar prontas para lidar com esse tema, poder expor o que pensamos, poder falar sobre isso. Porque é bom bater na mesma tecla. Não é possível, sabe? Acredito no ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Não me cansarei de bater nessa tecla.

É a “maldição” das mulheres fortes ser apedrejada por outras mulheres?
Creio que ao mesmo tempo em que passamos por esse processo do julgamento, também temos belas surpresas. Por exemplo, nas redes sociais, é muito comum vermos mulheres defendendo causas de outras que nem conhecem. Elas se juntam e fazem um movimento importante no Brasil inteiro. Já vi acontecendo muitas vezes. Então, vivemos os dois lados: o preconceituoso, julgador, que é do ser humano e que vamos demorar muito tempo ou vamos passar pela vida e nunca vamos aprender, que é de cada um o julgar, o apontar o dedo, e também há as boas notícias: as mulheres que estão aprendendo todos os dias, que é o meu caso. Eu luto contra o meu preconceito, contra o meu julgamento, diariamente. Presto atenção em outras mulheres. Eu sou uma mulher que aplaudo outra mulher. Sou uma mulher que quer colocar outra mulher para cima. Esse é meu papel: falar com a mulher, trocar informação com a mulher, para que melhoremos.

Você tem necessidade de certezas?
Sabe que uma das coisas do amadurecimento é perceber que, por mais que você tenha necessidade de certezas, elas não dão garantia nenhuma? Quando eu era mais jovem, eu não tinha apenas necessidade de certezas, eu tinha certeza de que eu estava certa! Isso é uma característica de falta de maturidade. Quando vamos entendendo a vida, as dificuldades que a envolve — e olha que fui uma mulher que amadureceu cedo demais —, mas, ainda assim, nos 20 e 30 anos, achamos que sabemos tudo. Depois dos 50, a única certeza que você tem é a de que não sabe nada. E é muito maravilhoso não ter essa necessidade, porque ela é completamente vã.

O que é mais difícil: esperar o que a vida está reservando ou transformar o que não foi planejado em rotas determinantes para outras conquistas? Em outras palavras: nem sempre conquistamos o que desejamos, mas podemos conquistar algo igualmente bom.
Na verdade, esperar que a vida nos leve para algum lugar é o maior erro, porque, sem dúvida, não existe esse lugar. A vida não leva a lugar algum. Você me pergunta o que é mais difícil, e esse é um caminho extremamente tortuoso; que, na minha opinião, nada acontecerá. Absolutamente nada. Nós é que temos que fazer nosso caminho acontecer. E ele pode ser muito complicado, pelo menos no meu caso. Não tenho uma árvore no quintal de casa que me dá os caminhos, que me dá sacos de dinheiro, oportunidades de novos trabalhos, novos negócios. Tudo isso temos que buscar, temos que acreditar no que estamos fazendo. Por isso sempre falo: a alma do sucesso e das conquistas tem muito a ver com amor e paixão por aquilo que você faz. Quando você realmente ama o que faz, e acredita no que faz, pode demorar, pode ser difícil, mas você vai chegar lá. A questão é não ficar esperando as coisas acontecerem. No meu caso, teve uma época em que o telefone tocava e eu só cumpria a agenda. Hoje não é assim que funciona.

Consegue imaginar como teria sido sua vida se nunca tivesse se tornado famosa?
Creio que não teria acontecido dessa maneira porque aos nove anos escolhi cantar. Aos 12, estava na televisão, cantando até os 17. Participei de todos os programas de televisão. Nessa época, eu já sabia que o microfone na mão, talvez não como cantora, mas como apresentadora, era o meu caminho. Eu já estava buscando esse caminho, só não tinha a oportunidade de ter um programa, uma chance de fazer uma matéria, mas eu estava no caminho da televisão. Ninguém escolhe essa profissão para ficar no anonimato, a trajetória seria diferente, mas eu chegaria lá.

O que sempre desejou e nunca pôde realizar justamente por ser famosa?
Talvez ter uma família maior, sempre desejei e nunca era a hora certa. E quero deixar aqui um recadaço para as mulheres que estão esperando a hora certa para ser mãe: essa hora não vai chegar. Acredite. Acabei tendo o Vittorio aos 38 anos. Fiquei anos adiando, achando que eu não ia conseguir conciliar com o trabalho, que seria muito difícil. De repente, quando aconteceu, eu me perguntei por que eu demorei tanto? Tudo bem, tem a ver com encontrar um parceiro bom para mim e para ser pai, eu demorei muito para acertar minha vida pessoal; mas eu também tinha tanto medo de ter filho, porque achava que podia atrapalhar meus planos profissionais. Pelo contrário, é tão legal ser mãe que só ajuda. Fiquei com medo de passar pela gravidez e de, parando de trabalhar, as pessoas pudessem me esquecer. Passava tanta coisa pela minha cabeça. Imagina, que bobagem, não? Hoje existem as redes sociais, espaços em que você pode dividir todos esses momentos com as pessoas. Na minha época não tinha, tudo ficava na minha cabeça. Então, eu teria mais filhos. Agora, nada, nada, nada eu deixei de fazer por causa da fama. Faço com fama mesmo, vou tirando foto com todo mundo, mas não deixo de realizar minhas vontades.

Ter afeto por alguém — ou por algo — nos tira o poder de controle. Como lida com a impossibilidade de controlar tudo?
Olha, tenho características muito acentuadas de meu signo, apesar de não ser uma seguidora dessa questão astral, mas sou ariana e acredito fielmente que eu tenho traços muito claros desse signo. Ariano gosta de ter o controle, precisa ter o controle, não de tudo, mas eu gosto de ter o controle das coisas que vou fazer, do quanto estou dedicada. Falei naquela resposta sobre a importância da maturidade, porque vamos percebendo que temos que estar 100% naquilo que estamos fazendo. Eu vou muito mal quando divido meu foco. Acho que desaprendemos um pouco a ter foco por causa das redes sociais — e por causa dessa vontade de engolir o mundo. Sou uma mulher que sabe que precisa de equipe; eu não consigo tocar tudo e há pessoas que sabem muito mais do que eu em muitas coisas. Porém, eu quero saber o que todo mundo está fazendo. Eu sou essa controladora aí.

O que costuma encurtar sua respiração? No sentido de impedir que você pense com clareza.
Poucas coisas me causam isso. Porém, o medo é uma coisa que encurta minha respiração. Tenho medo de pessoas destemidas. Medo é sinal de responsabilidade. Acho que não dá para não ter medo. Temos que ter medo, mas temos que ir com o medo mesmo. Por exemplo, o que me deixa com a respiração mais curta é quando encaro um desafio que não tenho tanta habilidade — e eu encaro vários. Mesmo me dedicando, ensaiando, aprendendo, eu sei que ali não é um lugar 100% seguro. Outro exemplo, por mais que eu já tenha feito vários espetáculos teatrais, o teatro sempre me deixa com a respiração mais curta. Hoje, quando vou conceder entrevistas — e é curioso isso que vou falar, porque construí minha carreira dando entrevistas, contando minha história —, as pessoas encaram de outra forma, desde a imprensa ao público; então, tudo que me tira a segurança encurta minha respiração.

Qual é o momento exato em que uma mulher se perde de si mesma?
Em vários momentos nos perdemos, mas, pelo menos para mim, é quando eu deixo de trabalhar minha autoestima. Olha que eu sou uma mulher que gosta de si mesma, não largo minha mão, me trato bem, mas de vez em quando não rola, não sei. É quando começo a fugir do espelho, começo a me desconectar, me sabotar — e é uma característica bem feminina essa, né? Lidar com essas questões de mulher, desde os hormônios, que é uma questão absolutamente física, até as da culpa, da maternidade, que tanto se fala e é muito real no dia a dia. E não importa quanto dinheiro você tem no banco, como você é fisicamente, se é famosa ou anônima, o fato é que essas questões nos desconectam de nós mesmas.

Envelhecer?
A idade faz isso. De vez em quando você fica numa crise de identidade, crise com o seu trabalho, você passa a questionar muitas coisas — e acho supersaudável também. É impossível passar pela vida o tempo todo conectada com você mesma, gostando de você mesma, passando por todas as questões que a vida coloca, lidando com maestria, facilidade, alegria. Não é real. Aliás, a graça da vida está nessas viradas que temos que saber dar, né? Não se acostumar nem quando as coisas estão muito maravilhosas e nem quando elas estão muito ruins. Temos que estar sempre em movimento, porque esse é um pouco do mistério da vida.

O que é mais importante: paixão, convicção ou ação?
Trio interessante, mas a ação é a mais importante. Sou uma mulher que tem que fazer, tenho que agir e exijo isso também dos outros. É engraçado porque eu não gosto de ficar só na paixão, só no sonho. A vida me fez perceber que é gostoso ter convicção, é importante sonhar, ter paixão, mas se você não fizer nada, vai viver numa bolha, numa ilusão. E ação é acertar ou errar, é o que faz crescer. Eu sou da ação.

Qual decisão você não tomou no passado que hoje colhe consequências indesejadas?
Nem sei dizer, eu tomei tantas decisões erradas e certas, e não me arrependo de nenhuma. As erradas me fazem sofrer, retardam as coisas, porém, me ensinam. Mas tomei muita decisão certa. Não sou essa mulher que não toma decisão. Minhas questões são sempre para decidir. Não tenho a opção de empurrar com a barriga, de deixar para lá, é o tipo da coisa que nunca acontece na minha vida, sobretudo profissionalmente. Vou ou não vou, aceito ou não aceito, assino ou não assino. Tomei sim decisões erradas, que eu pago por elas seriamente — paguei e continuo pagando. Profissionalmente falando, tomei decisões erradas lá atrás, mas também fizeram parte do meu crescimento, me ajudaram a chegar onde cheguei. Faria diferente? Faria. Mas não tem como voltar o tempo, o que eu posso fazer agora é tentar não cometer o mesmo erro.

Qual gesto cotidiano tem efeito de longo alcance e você deixaria como conselho para que prestemos atenção?
Escolha o que te faz feliz. Às vezes o que te faz feliz pode não te dar dinheiro neste momento. Aliás, o dinheiro é consequência de um bom trabalho, ele não vem em primeiro lugar. Vejo, hoje, muitas pessoas focadas no trabalho que remunera melhor. Tudo bem, entendo. Quando mexe no bolso, ninguém pode dar palpite. Mas você conseguirá ser uma pessoa bem-sucedida se escolher com amor o que for fazer. Porque a vida é difícil, trabalho é ainda mais difícil, vivemos num país que dificulta empreender. Então, é preciso ter essa relação de amor com sua escolha. Acredito fielmente nisso. Não adianta escolher pela moda, pelo dinheiro, porque todos os seus amigos escolheram. Você tem que escolher o que realmente te emociona, porque aí você vai se dedicar. São muitos anos de dedicação para receber os louros. É muito difícil ter resultado imediato. Então, para fazer algo por muito tempo, você tem que gostar do que faz.

Você nunca faz papel de vítima, pelo menos não de forma aparente ou em público. Em seus momentos de recolhimento, quando bate o medo, o que diz a si mesma?
Não sou mesmo essa pessoa. Não gosto de quem se faz de vítima o tempo inteiro. Penso bastante nisso, principalmente olhando para o nosso país. Mas creio que temos que arregaçar a manga e ir à luta. Ainda que erremos. É muito difícil conseguir acertar o tempo inteiro, apesar de a intenção ser essa. Agora, o que não cabe, na minha opinião, é me esconder atrás do erro, culpar alguém ou então fazer com que uma pessoa acabe tomando uma decisão por mim, por medo. Vestir a jaqueta do vitimismo, para mim fica apertada, pequena, não me serve. Sou mulher da linha de frente, definitivamente.

O que as pessoas jamais perdoam: sucesso, beleza ou determinação?
Nenhuma dessas três coisas. Essa é uma característica, infelizmente, do nosso país. Que cabe também a nós ir mudando esse comportamento. Por exemplo, a união feminina, que se fala a vida inteira sobre a importância da mulher saber aplaudir outra mulher. Temos que exercer essa função, temos que parar de apontar o dedo. Não falo isso porque acredito que sejamos superior ao homem, não é isso, mas é uma questão de ter noção de que vivemos num país extremamente machista. Tem mudado? Tem, mas estamos anos luz de chegar lá ainda. Temos que continuar nosso trabalho. É difícil para as pessoas aceitar uma mulher bem-sucedida, bonita, dona de si, que vive a vida de uma forma muito — principalmente no meu caso — exposta. Nosso papel é não largar nossa mão, como eu disse.

Acredita em sorte?
Um tiquinho de sorte não faz mal a ninguém, né? Estar no lugar certo, na hora certa, ajuda muito. Não acho que as coisas acontecem pela sorte, mas acho que falta de sorte pode atrapalhar bastante.
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Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.