O amor não é uma fábula. Nem a amizade. Tampouco a saudade.
Parece que sou facilmente impressionável, mas não sou. Sou letrada, por isso às vezes confusa.
Exigentíssima, tudo tem de estar em seu devido lugar. Minha sensibilidade adora se divertir.
Em meu devido lugar, um fino compromisso intelectual de interpretar o espetáculo A Vida Passou Por Aqui à sombra de minhas tessituras melancólicas, fui lançada ao chão, prostrada pela candura do texto de Claudia Mauro.
A história de amizade entre Silvia e Floriano é um arranque da obscuridade em que vivemos, nesse mundo vulgarmente por um fio.
A narrativa, que vai e volta no tempo, começa mostrando o estado de velhice de ambos, e, juntos, vão rememorando fases da vida. A direção é de Alice Borges.
A Vida Passou Por Aqui é o tipo de obra artística que serviria bem como sentinela, desde o nosso acordar ao instante em que nos rendemos ao sono.
Esperamos bem pelo amanhã quando temos a quem encontrar.
O sucesso da peça é tão grande que já são seis anos em cartaz!
Claudia Mauro não só escreveu o texto como dá vida à professora Silvia, uma mulher que soube se deixar levar pela leveza do faxineiro Floriano, vivido por Édio Nunes.
Durante a trajetória de uma vida, eles trocam de profissão e são levados, um ao passo do outro, literalmente como numa dança.
E levam a todos nós, que na plateia somos tomados por nossas memórias.
Porque somos fortes, choramos.
A vida passa por nós a todo instante, inclusive agora, enquanto escrevo. E porque escrevo, tenho a sorte de reparar na falta de lógica das coisas, por onde a vida passa mais alegre. Urdiduras que dão charme ao que é nosso.
Hoje, a vida passou no rastro de meu amor, todo dia impetuoso ao sair de casa para ir trabalhar. Recolho partes de nossa vida em roupas no chão, bobeirinhas de toucador, toalhas secas e molhadas que dão prova do que houve às luzes baixas — e do que hoje promete.
O hoje que não temos na mão. Com sorte, temos o agora.
Ele estava ao meu lado enquanto eu assistia A Vida Passou Por Aqui.
Enquanto eu assistia a peça aqui, em meu coração.
Pegou em minha mão, abraçou-me, e sei que se preocupou, porque recentemente perdi meu pai, homem igualzinho ao Floriano; leve que só ele; e sei, sei mesmo, que me amou, porque amamos juntos as coisas mais belas.
Na história de A Vida Passou Por Aqui, a amizade de Silvia e Floriano dura quase meio século. Depois de ter sofrido um AVC, Silvia vive numa casa de repouso e recebe a visita diária de Floriano.
A beleza não se pode nomear em garrulices.
Apenas no silêncio das lembranças entendemos que tem nome de gente, de bicho, de conquistas pequenas como o passo perfeito de uma dança de salão.
Quando a vida passa por aqui — e por aí —, ela passa tão rápido.
O tempo, mensageiro sutil.
Parece que sou facilmente impressionável, mas não sou. Sou letrada, por isso às vezes confusa. Mas não exagero na malícia que requer meu ofício.
Então, A Vida Passou Por Aqui se resume no despertar da consciência de uma felicidade ao alcance.
Em qualquer lugar do Brasil por onde passar, ouse assistir ao espetáculo para que se enxergue à luz dessa postura enraizada que todos temos de deixarmos que a vida passe — bem longe de nós.
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